quinta-feira, 5 de julho de 2012

Educação sob comando chinês


Educação chinesa no Tibete ocupado
 
A grande meta da política de educação de Pequim no Tibete é estabelecer lealdade com a ‘Grande terra mãe’ e ao partido comunista. Durante a Conferência de Educação em Lhasa, em 1994, o então secretario regional, Chen Kuiyuan, disse:

“O sucesso da nossa educação não está no número de diplomas entregues aos graduandos de universidades, faculdades... e secundário. Está, no final, se nossos estudantes são contra ou a favor de Dalai Lama, e se eles são leais ou não se importam com nossa ‘grande terra mãe’ e a grande causa socialista.”

Esta política cegou as autoridades em diversos núcleos de questões relacionadas ao desenvolvimento dos recursos humanos no platô. Apesar das autoridades alegarem ter ‘assumido uma importante tarefa de desenvolver a educação de massas durante os últimos anos no Tibete’. A fundação de educação para o desenvolvimento de recursos humanos tem sido sempre colocada em segundo plano na prioridade dos programas.

No Tibete independente, antes de 1959, cerca de 6000 monastérios serviram de centros de alfabetização. Além disso, havia no Tibete diversas escolas administradas pelo governo e por terceiros. Chineses classificaram estas tradicionais escolas como centro de ensino e fontes de ‘fé cega’, e nutria o solo para a ‘opressão feudal’. Eles foram, portanto, alvos de ataques e logo fechadas após a ‘liberação’ do Tibete em 1959.

No seu lugar, autoridades forçaram tibetanos de área agrícolas e pastorais a estabelecerem e financiarem escolas, conhecidas como ‘mangtsuk lobdra’. Nenhum dinheiro chinês foi gasto nessas escolas e sua maioria não obedecem os padrões internacionais de ensino. Mas servem para criar impressionantes estatísticas para a propaganda chinesa. Isso está claramente refletido nas afirmações de três sociólogos chineses:

Na ‘RAT - Região Autônoma do Tibete’ tem apenas 58 escolas de nível fundamental, destas, apenas 13 são escolas reais de educação fundamental. Juntas, são apenas 2450 escolas primárias no Tibete, destas, apenas 451 são financiadas pelo governo, 1999 são financiadas pelo povo, estas escolas não são bem equipadas e não possuem boa estrutura. O nível de educação é completamente inexistente ou extremamente baixo. Portanto, a questão de habilidades científicas podem ser descartadas. Atualmente, 90% da população rural não recebe educação de nível fundamental.

Com isso em mente, conversar sobre ensino médio e educação superior é como perguntar para as pessoas comerem bem quando não há comida suficiente disponível. Apenas 45% das crianças em idade escolar vão para a escola. Destas, 10,6% se formam no ensino fundamental. Em outras palavras, 55% das crianças não conseguem nem educação fundamental. Em toda região da ‘RAT’, há cerca de 9000 professores de diferentes níveis, longe do numero necessário. 50% destes professores não estão qualificados. Igualdade entre as nacionalidades somente irá se tornar real quando esta situação for resolvida.

Na década de 80, a política liberal de Pequim encorajava uma atmosfera favorável para o desenvolvimento do sistema de educação que supria as necessidades dos Tibetanos. Infelizmente, a expansão econômica e interesses estratégicos da China no momento levaram a cortes nos fundos de educação. Como resultado, neste período houve queda de 62% no número de estudantes.

Na década de 90, a ‘RAT’ recebeu mais fundos para a educação, e como resultado a região foi declarada como Zona econômica especial. Em 1994, Pequim adotou uma política de educação obrigatória na ‘RAT’. Mas o orçamento para educação se direcionou na maioria para as escolas do governo (Shung-tsuk lobdra), onde os chineses são a maioria. Escolas rurais – onde a maioria dos tibetanos residem – continuaram negligenciadas. Qun Zeng, vice-diretor da Comissão de Educação na ‘RAT’ disse:
“Há muitas escolas financiadas pelo povo (Ming ban), de classes baixas, com grande número de desistência e poucos que completam a escola primária. Por exemplo, das 2800 escolas primarias, 1787 ou 74.5% são financiadas pelo povo (Ming ban) com instalações primarias e professores não qualificados que podem lecionar não mais além do que a primeira ou segunda série. Das 500 escolas primárias administradas pelo governo (gong ban), mais da metade não podem oferecer além da primeira série, por causa das instalações e qualificação dos professores. Há apenas 100 escolas capazes de oferecer o ensino primário completo, e sua maioria estão situadas em grandes cidades, enquanto que há muito poucas em áreas rurais. Em média, há uma escola com ensino primário completo para 897 distritos na região, como resultado apenas 60.4% das crianças em idade escolar estão estudando – a menor taxa em toda China.

Com o grande fluxo de imigrantes chineses no platô, o idioma e cultura das crianças chinesas têm influenciado o sistema de educação – principalmente nos níveis do secundário e superior – assim o mandarim foi ‘imposto’ como idioma na escolarização.

A evolução da educação tibetana na década de 90 pode ser avaliada da situação de ‘educação de massa’ na prefeitura de Chamdo – uma das regiões mais influentes da ‘RAT’. Num artigo de Shang Xioling, repórter da TAR Radio, e Tang ching, repórter de educação na ‘RAT’, nos deram um alarmante pensamento sobre as condições da educação na região de Chamdo. No artigo, intitulado ‘ Notas sobre a triste educação em Chamdo’, que foi publicado em 15 de Julho de 1993 no jornal de Chamdo, publicado em mandarim.

Os autores revelaram que das 110.000 crianças em idade escolar de Chamdo, mais de 70.000 (63.63%) não tem oportunidades de educação. Reportaram que a taxa de analfabetismo e semi-analfabetimo de Chamdo era de 78.8%. Shang e Tang escreveram que apesar de afirmarem que a média de matrículas na ‘RAT’ era de 60.4%, a taxa real era de apenas 43%.

Estas revelações de Shang e Tang expuseram a qualidade duvidosa das estatísticas do governo chinês. Se Chamdo – uma das áreas mais desenvolvidas da ‘RAT’ – tem a taxa de matrículas de apenas 34%, a média da ‘RAT’ no período não poderia ser tão alta quanto 60.4%. Alem disso, as autoridades falharam ao não admitir que a ‘RAT’ e outras área tibetanas de Qingahi (Amdo) e Sichuan (Kham) ainda estão no fim do índice da educação na china – inferior até a Guizhou, a província chinesa mais atrasada.

De acordo com o quarto censo nacional Chinês de 1990, apenas 0,29% dos tibetanos possuem ensino superior; 1,23% possuem ensino médio; 2.47% possuem ensino fundamental; e 18.52% possuem ensino primário. A média nacional chinesa de ensino superior é de 1.42%; ensino médio é de 8.04%; e 37.06% de ensino primário.

O censo nos mostra que 62.85% da população ‘produtiva’ (entre 15 e 40 anos) é analfabeta ou semi-analfabeta e 84.76% das mulheres que trabalham são analfabetas ou semi-analfabetas. Entre os tibetanos empregados nas indústrias do setor publico da ‘RAT’, 80% são analfabetos ou semi-analfabetos. O quinto censo nacional chinês realizado em novembro de 2000 ainda não teve seus dados estatísticos disponibilizados.


Preparando ferramentas políticas

Nos anos 90, mais de um terço dos estudantes secundaristas tibetanos da ‘RAT’ eram mandados para a China para poderem estudar. Só na Beijing’s Tibet Middle School, há aproximadamente 1000 tibetanos – 760 no secundário e outros 200 em outros programas. Estudantes são mandados à China para escolas e permanecem lá por sete anos, retornando para casa somente nas férias. O objetivo de mandar os mais brilhantes jovens tibetanos para estudarem na China é preparar-los como ferramentas para a política de controle chinês no Tibete.

Tibetanos legitimamente se preocupam com essa política que visa debilitar sua identidade e cultura. O 10º Panchen Lama afirmou que o ensino de crianças tibetanas na China tem o único efeito de aliená-las e afastá-las das próprias raízes culturais. Similarmente, um oficial tibetano na ‘RAT’ disse que o objetivo de estabelecer escolas secundaristas tibetanas na China é para preparar a próxima geração de tibetanos.
Em 1994, haviam 13.000 tibetanos matriculados em 104 escolas espalhadas pelas 36 províncias chinesas. Na maioria eram escolas normais chinesas com classes especiais para tibetanos. Entretanto, 18 delas são exclusivas para estudantes secundaristas tibetanos; três delas – localizadas em Pequim, Chengdu e Tianjin – possuem o ensino secundário completo, enquanto que o resto possui apenas o ensino fundamental. 75% dos tibetanos graduandos dessas escolas foram mandados para escolas técnicas.

Tal programa de educação elitista consome uma grande parte do orçamento para educação da ‘RAT’ enquanto que para o sistema nas zonas rurais tibetanas não conseguem financiar sequer a educação básica. Entre 1984 e 1991, ‘RAT’ gastou 53 milhões de Yuan nas escolas secundárias tibetanas na China. Apenas em 1994, foram gastos 1050 Yuan em cada escola secundarista tibetana na China.


Erradicando o idioma Tibetano.

Entre 1959 e 1979, a campanha comunista para destruir os ‘Four Old’s’ (termo utilizado pelos chineses que significa ‘Quatro velhos’: velhos costumes, velha cultura, velhos hábitos e velhas idéias) centrou-se em eliminar o idioma tibetano. Nos anos 80, entretanto, Pequim tomou alguns passos positivos para promover a alfabetização em idioma tibetano e planejou um sistema de educação que respondia as necessidades do povo tibetano.

Em 1987, no Congresso do Povo da ‘RAT’ que aconteceu na capital Lhasa, lançaram uma legislação que garantia o tibetano como idioma principal nas escolas primárias, e estipulou que o mandarim seria introduzido apenas a partir dos nove anos. A legislação prometeu estabelecer o tibetano nas escolas do secundário na ‘RAT’ e em 1993 disponibilizaria a maioria dos cursos universitários no idioma tibetano até 2000. Mas esta política não foi implementada devido a cortes nos financiamentos, e depois, pela falta de vontade dos políticos responsáveis. Como resultado, o idioma tibetano continuou marginalizado, causando preocupação nos tibetanos quanto sua sobrevivência.

Em 1998, o 10º Panchen Lama, participando de sua primeira reunião no Instituto Chinês de Tibetologia em Pequim, comentou:
“A terra, que se administrou sozinha por 1300 anos, desde o século sete, perdeu seu idioma após se libertado. Se nós no mantivemos atrasados ou cometemos erros, mas nós administramos nossa vida no mais alto platô do mundo utilizando apenas o tibetano. Nós tínhamos tudo escrito no nosso próprio idioma, sobre Budismo, artes, astronomia, poesia, lógica. Todos os trabalhos administrativos também eram feitos em tibetano. Quando o Instituto de Tibetologia foi fundado, eu discursei no Palácio do Povo e disse que os estudos tibetanos deveriam ser baseados na sua própria religião e cultura. Até agora nós subestimamos estes assuntos... Deixar a cultura tibetana morrer pode não ser o objetivo do Partido, mas eu me pergunto se o idioma tibetano sobreviverá ou se será erradicado.”
Em 1992, o professor Dungkar Lobsang Trinley – um dos líderes culturais e intelectuais tibetanos que foi reconhecido pelos líderes chineses como ‘tesouro nacional’ – disse que “apesar do Tibetano ser declarado como primeiro idioma usado em todos os escritórios do governo, em reuniões e em comunicados oficiais, o mandarim está em todos os lugares como idioma dos trabalhadores.” Essa afirmação, ele argumenta, resultou na perda de controle dos tibetanos sobre seus próprios destinos, Professor Dungkar disse: “Toda a esperança no nosso futuro, todos os outros assuntos, identidade cultural e proteção do nosso patrimônio depende do nosso idioma. Sem pessoas educadas em todas as áreas, capazes de se expressar por elas mesmas no próprio idioma, tibetanos estão com o perigo de não se entenderem. Nós alcançamos este ponto”

Dherong Tsering Dhonpup, outro acadêmico do Tibete, levantou uma preocupação similar depois de conduzir uma detalhada pesquisa do status do idioma tibetano em vários pontos do leste tibetano, agora parte da província chinesa de Sichuan.

Nesse relatório, publicado no início dos anos 90, Dherong escreveu que de 6.044 tibetanos membros do partido e oficiais em nove distritos formando a prefeitura autônoma tibetana de Karze, apenas 991 foram alfabetizados em tibetano. Similarmente, a maioria dos 25 estudantes tibetanos de uma classe de Dhartsedo não falam nada de tibetano. Dherong citou as três principais razões para isso: a primeira, ele disse, é a política chauvinista do governo chinês, que acelera o processo de inserir os modos chineses; a segunda é a noção de que o tibetano é um idioma sem valor na sociedade atual; e a terceira, é o complexo de inferioridade sofrida pelos tibetanos, o que dificulta a iniciativa de proteger o próprio idioma.

Elaborado na política chauvinista de Pequim, Dherong escreveu que os socialistas chamavam para se juntar aos esforços para promover todas as nacionalidades, e não ‘limpar’ qualquer nacionalidade em especial. A constituição chinesa garante liberdade igual para todas as nacionalidades administrarem sua própria educação, ciência, cultura, saúde e higiene, e o direito de proteger seu patrimônio cultural. Entretanto, esses direitos garantidos constitucionalmente, ele argumenta, nunca foram completamente implementados para os tibetanos. 



Traduzido livremente por Matheus Machado

 http://tibetoffice.org/tibet-info/education-in-chinese-occupied-tibet