segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Entrevista: Robert Barnett sobre "Por quê os tibetanos estão se ateando fogo"

No início desta semana um monge tibetano tornou-se a 22a pessoa, nos últimos 12 meses, a cometer auto-imolação em protesto às regras do governo chinês no Tibete. Robert Barnett, diretor do Programa de Estudos Modernos do Tibete na Universidade de Columbia, diz que este é um novo tipo de protesto político dos tibetanos, que poderá se tornar uma forma contínua de dissidência, caso o governo chinês não alterare algumas das suas políticas na região.

Ásia Blog falou com Barnett por telefone.


Por que os monges e monjas decidiram usar esta forma particular de protesto contra o governo chinês?
As razões pelas quais optaram por este método de protesto não são exatamente claras. As pessoas dentro do Tibete, especialmente em áreas rurais, podem ocasionalmente acessar notícias de rádio em tibetano a partir de fontes externas, como a Voice of America e Radio Free Ásia, mas provavelmente conhecem pouco ou nada sobre a auto-imolação de um tunisiano no ano passado, muito menos sobre as auto-imolações vietnamitas há 50 anos atrás. Mas devem ter ouvido falar sobre as manifestações que levaram à Primavera Árabe, e isso pode ter incentivado as pessoas, de um modo geral, a ver o protesto popular como uma forma de trazer mudanças.

Mas eles podem ter escolhido esta forma de protestos, porque no ciclo anterior de instabilidade  no Tibete em 2008, quando ocorreram cerca de 150 manifestações de rua por grupos muito grandes, cerca de 20 desses incidentes formaram uma espiral em direção ao caos e violência. A violência permitiu que o governo chinês evitasse abordar as questões subjacentes e reclamações dos manifestantes. A auto-imolação pode estar sendo vista como uma forma de evitar a desvantagem de formas tradicionais de protestos de rua em grande escala: envia uma mensagem para o governo de uma maneira que os manifestantes esperam que não seja facilmente deixada de lado, porque não causa danos a outras pessoas ou bens, e não envolve agitação.

Os protestos em geral clamam por "liberdade" e pela autorização para que o Dalai Lama possa regressar ao Tibete. Parecem ter sido desencadeados por uma virada dramática na política em 1994, quando o Estado chinês decidiu centrar-se sobretudo em atacar o Dalai Lama, forçando os monges e monjas a denunciá-lo, e intensificar controles relativos aos mosteiros e à religião. Esta política foi implementada inicialmente na Região Autônoma do Tibete, que é a metade ocidental do planalto tibetano em torno de Lhasa, mas nos últimos 10 anos, foi sendo impostamosteiro por mosteiro, em toda a metade oriental do planalto, onde vive a maioria dos tibetanos e onde os protestos atuais estão ocorrendo. Essa política inclui programas de reeducação nos mosteiros, proibições de culto ao Dalai Lama, minimização do papel da língua tibetana nas escolas, incentivo à migração de chineses para as áreas tibetanas, e outras restrições. Ninguém sabe por que eles decidiram estender essa política para a região leste do Tibete, uma vez que até então se mantinham relaxados e pacíficos, desde 1970.

 Existe alguma tradição relativa a esse tipo específico de protesto na cultura budista?
A imprensa chinesa tem defendido que estes protestos violam os princípios
e regras budistas , mas na verdade, estão em forte ressonância com a tradição budista. Suicídio é evitado no budismo, se realizado por motivos pessoais, mas o auto-sacrifício por uma causa nobre é altamente respeitado. Existem muitas histórias sobre o Buda fazendo isso em vidas anteriores; a mais famosa é aquela em que ele se sacrifica, dando seu corpo para uma tigresa à beira da morte para que ela pudesse alimentar seus filhotes. Assim, um ato que é feito para o bem da comunidade é considerado nobre, especialmente se for feito por um membro do clero.

É por estes atos estarem sendo feitos por monges, monjas ou ex-monges, que tem sido tão difícil para o governo chinês desacreditar os manifestantes - o que seria muito diferente se  leigos estivessem envolvidos. O governo teve sucesso quase total em desacreditar cinco chineses, declarados pelo governo como sendo seguidores da seita Falun Gong, que reazlairam uma auto-imolação em massa em Pequim, em 2001: o evento foi apresentado como prova de que essas pessoas tinham sofrido lavagem cerebral e eram manipuladas pelo Falun Gong. Mas apesar de algumas tentativas por parte da imprensa chinesa de fazer isso com os monges e monjas tibetanos, esses esforços fracassaram, em grande parte por serem tão amplamente respeitados dentro da comunidade tibetana.

Por que as duas partes não conseguem encontrar uma base comum para governar o Tibete?

Uma maneira de entender a questão tibetano-chinesa é olhar a questão do seu status, se o Tibete deve ou não ser parte da China, ou, sendo uma parte da China, que grau de autonomia deveria ter. Esta é uma questão que remonta pelo menos 100 anos, quando o
exército chinês tentou pela primeira vez anexar o Tibete e integrá-lo ao território chinês. É algo que provavelmente levará muito tempo para ser resolvido.

Mas há uma segunda questão que é facilmente confundida com a primeira, que são as políticas que a China introduziu mais recentemente, em especial a decisão de 1994 de declarar o Dalai Lama como um inimigo, e outras questões que foram
ao mesmo tempo intensificadas, como a reeducação, o uso da linguagem, desenvolvimento econômico mais rápido. Há questões mais recentes emergindo agora, especialmente questões relacionadas com o ambiente, como o assentamento forçado de nômades e a mineração desenfreada. Como esses fatores secundários não estão gravados em pedra e estão constantemente assumindo novas formas, representam uma espécie de oportunidade para a China, e poderiam ser revertidos com bastante facilidade. Se fizessem isso, seria gerado algum alívio e teriam mais tempo para tentar resolver as principais questões referentes a autonomia e status. Não houve ainda sinal de qualquer movimento até o momento sobre estas questões secundárias. A China tem um sistema de liderança fraco e altamente conservador, baseado no consenso, o que torna muito difícil para os líderes chegar a um acordo sobre uma jogada ousada, relativa a uma questão fundamental de soberania e  orgulho nacionais, de modo que quaisquer concessões serão muito discretas.

Existe alguma previsão sobre quando estas auto-imolações chegariam ao fim?

A China se vê como tendo sido sempre generosa para os tibetanos, pelo menos desde o início de 1980, devido aos grandes programas de subsídios para impulsionar o desenvolvimento econômico em áreas tibetanas, e porque vê os protestos como iniciativas do Dalai Lama e exilados, destinadas a "dividir "a China, através da criação de um Tibete independente. Os exilados negam isso, mas ao mesmo tempo usam uma retórica nacionalista muito forte, como seria de se esperar. Assim, embora uma solução negociada entre as duas lideranças não possa ser descartada, parece improvável na sitaução atual.

Enquanto isso, os tibetanos orientais, cuja ira já foi despertada, são resolutos e de temperamento forte, com uma memória longa e amarga dos vários ataques chineses em suas regiões e mosteiros durante todo o século passado, e eles defendem seus valores fundamentais. Assim, as tensões atuais não vão desaparecer sem alguma concessão do Partido. Essa concessão não precisaria ser muito grande para que as pessoas decidissem não se matar - tibetanos, mesmo os ativistas dentro do Tibete, são surpreendentemente moderados na maioria dos casos e geralmente pragmáticos; por isso, mesmo um gesto simbólico por parte do Estado teria um impacto significativo. Por exemplo, o Partido poderia cessar a reeducação política
forçada e poderia parar sua campanha de demonização contra o Dalai Lama - políticas que não foram aplicadas no interior da China por décadas - e poderia regular a migração interna para o Tibete, como faz com Hong Kong. Se não o fizerem, as tensões aumentarão, e se mais pessoas forem mortas, as coisas poderão sair do controle e se tornar muito difíceis de resolver de forma significativa.

Foi relatado que nas últimas auto-imolações, mil pessoas cercaram o corpo para protegê-lo da polícia. Por que eles fazem isso?

Na cultura tibetana, quando alguém morre, o corpo deve ser perturbado tão pouco quanto possível logo após a morte. São realizados cerimônias e rituais especiais, na esperança de que a consciência se acalme, havendo assim uma melhor chance de um renascimento mais benéfico. Mas, como em qualquer religião, existem muitos níveis de explicação. Por exemplo, em geral, há uma visão que é importante dispor do corpo de forma adequada, como torná-lo alimento para aves ou peixes, uma vez que este é um tipo de generosidade, em lugar do método de cremação secular utilizado pelo Estado chinês. Neste caso, essas auto-imolações são claramente vistas pela comunidade local, não como um suicídio por um indivíduo desesperado, mas como um ato de dedicação para o benefício dos outros; por essa razão,  as pessoas locais querem demonstrar respeito à pessoa morta, assegurando que os rituais sejam efetuados pelo clero. Portanto, há muitos fatores, além dos objeções à confiscação do corpo pela polícia.
Tradução livre de Jeanne Pilli
http://asiasociety.org/blog/asia/interview-robert-barnett-why-tibetans-are-setting-themselves-fire

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Declaração do Kalon Tripa por ocasião do Losar - Ano Novo Tibetano

Tashi Delek aos tibetanos e amigos de todo o mundo. Calorosas saudações de Dharamsala pelo Losar, neste 22 de fevereiro.

Como foi pedido, por favor não celebrem o Losar este ano, mas sim mantenham os rituais tradicionais e espirituais, indo a monastérios, fazendo oferendas e acendendo lamparinas por todos aqueles tibetanos de dentro do Tibete que têm se sacrificado e sofrido sob as politicas repressivas do governo chinês.

As noticias do Tibete continuam sendo sombrias. O Tibete está virtualmente fechado e os estrangeiros não estão autorizados a entrar. Inclusive os turistas chineses estão proibidos de visitar o Tibete e a presença militar está muito pesada.
Por favor veja as noticias publicadas por Human Right Watch)

Estamos muito preocupados com relação ao que está se passando e com o que possa acontecer dentro do Tibete. Sob tais circinstâncias, por favor orem por todos os tibetanos no Tibete, especialmente no terceiro, oitavo e décimo-quinto dias do Losar, já que estes são dias auspiciosos.

O dia 10 de março, nosso Dia de Manifestação Nacional está chegando. Haverá muitas outras atividades para as quais a participação dos tibetanos e dos nossos amigos será solicitada. Por favor se lembrem e observem as diretrizes emitidas pela Administração Central Tibetana que diz respeito a organizar e participar de eventos de forma pacífica, dentro da legalidade e com dignidade. Pacificamente poque a não-violência é o nosso núcleo principal. Legalmente porque estamos em um país democrático e devemos seguir as leis do país, e com dignidade porque buscamos nossa liberdade com dignidade.

O Dia de Mobilização pelo Tibete também se aproxima, dia em que tibetanos e amigos pressionam parlamentares e congressistas e compartilham com seus membros nossa preocupação com o Tibete e com as contínuas politicas repressivas do governo chinês.

Este ano é particularmente importante, dada a tragédia que ocorreu no Tibete. É importante que façamos o melhor possível para nos aproximarmos de nossos congressistas e parlamentares e fazermos com que tomem consciência. Se for possível, tentem fazer com que haja um bom debate sobre a situação do Tibete entre os parlamentares. Desta forma o sofrimento dentro do Tibete e suas vozes serão escutados em tom forte e claro em todo o mundo, particularmente pelos líderes em Pequim.

Gostaria de agradecer a todos tibetanos e amigos que participaram da vigília mundial em 8 de fevereiro. Segundo vários relatos, centenas de atividades foram organizadas ao redor do mundo, milhares participaram e foi um dia de muito sucesso.

Em conclusão, quero dizer aos nossos queridos irmãos e irmãs dentro do Tibete que vocês estão dentro dos nossos corações e em nossas orações todos os dias.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Rara visita a região remota da China mostra a profundidade do desespero tibetano

- McClatchy Newspapers

Aba - China - O monge chegou em meio às dobras de seu manto vermelho, tirou um pequeno caderno e deslizou suavemente de suas páginas uma pequena fotografia. O homem da foto dobrada era um parente. "Ele era um monge do monastério no topo das montanhas cobertas de neve fora da cidade de Aba. Um agente de segurança chinês o matou", disse o monge.

É uma tristeza que não pode ser falada em público. Uma
"equipe de trabalho" do governo local visita o monastério muitas vezes, à procura de sinais de descontentamento, de acordo com os monges de lá. Às vezes, eles disseram, ao retornarem aos seus aposentos após práticas ou estudos, os monges encontram uma porta arrombada e objetos espalhados.

O monge apresentou esse rápido retrato como uma forma de explicar por que os tibetanos, principalmente atuais ou antigos monges budistas, estão ateando-se fogo em Aba e regiões vizinhas em demonstração sem precedentes de protestos contra o domínio chinês. Desde março de 2011, de 20 a 24 cometeram auto-imolações, de acordo com grupos de direitos humanos. Destes, pelo menos, 13 morreram.

"A China aos nossos olhos não é justa nem pacífica", disse o monge, um homem de 40 anos que, como todos os tibetanos entrevistados para esta reportagem, fizeram seus relatos sob a condição de que não fossem nomeados e que certos detalhes fossem suprimidos, por medo de serem presos pela polícia. "Estamos sofrendo muito em nossos corações e, quando não podemos mais suportar isso, nós nos queimamos até a morte."

O governo chinês e sua mídia têm confirmado algumas das auto-imolações e negado outras. Mas o governo também cobre extensas áreas para impedir que os estrangeiros visitem esta região. A polícia rotineiramente bloqueia estradas, realiza busca por veículos e força estrangeiros a retornarem, especialmente jornalistas.

Um repórter da McClatchy Newspapers, na semana passada se tornou o primeiro de uma organização de notícias americana a conseguir chegar a Aba, desde que a série de auto-imolações começou. Para isso, ele se escondeu no chão da traseira de um veículo, coberto por duas mochilas e um saco de dormir, e passou por vários postos de controle.

Pequim há muito tempo atribui a culpa pela agitação nas áreas tibetanas a conspirações alimentadas pelo Dalai Lama, o líder espiritual tibetano que fugiu para a Índia após uma revolta fracassada contra o domínio chinês em 1959.

Mas as conversas com os tibetanos aqui e no resto da província de Sichuan, onde quase todas as auto-imolações ocorreram, sugerem que as políticas autoritárias da China destinadas a conter a desordem é que estão alimentando os problemas.

Enquanto o vice-presidente do país e provável futuro líder, Xi Jinping, viaja aos Estados Unidos esta semana em busca de um melhor entendimento, o seu governo em casa continua a inundar uma grande área de terras tibetanas com tropas armadas.

Na entrada de Aba, na semana passada, pelo menos sete policiais ocupavam um posto de controle. Uma van se aproximou com um homem chinês Han no banco da frente, foi autorizada a passar sem nenhum questionamento - o repórter McClatchy Newspapers estava escondido na parte de trás.

Tibetanos enfrentam
controle mais duro. Um tibetano de uma aldeia próxima descreveu que o interior do seu táxi foi quase totalmente rasgado durante uma busca no acesso a Aba, conhecida em tibetano como Ngaba.

No mesmo memento em que o repórter entrava em Aba, no sábado, uma mulher de 18 anos em um monastério perto de periferia da cidade punha-se em chamas. A monja de etnia tibetana, Tenzin Choedon, gritava slogans contra o governo enquanto as chamas tomavam sua vida.

Partes da cidade famosa pelos monastérios budistas tibetanos passaram a se parecer com um campo armado. A poucos quarteirões da entrada,  polícias
paramilitares colocam-se atrás de portões com espingardas e rifles. Três grandes caminhões de transporte de tropas permanecem ao lado da estrada, ladeados por mais homens com armas. Mais à frente, o tráfego é interrompido por mais portões e tropas não muito diferentes daquelas utilizadas nos esforços contra as manifestações.

A segurança era tão densa que era impossível falar com os monges ou, na verdade com qualquer um em Aba, devido ao risco de trazer perigo para os entrevistados. A Internet tinha sido desligada e os esforços para enviar mensagens de texto de Aba falharam repetidamente.

Os bloqueios policiais e patrulhas na região começam fora da cidade de Chengdu, a centenas de quilômetros de distância. Mesmo nessa grande metrópole, o
principal bairro tibetano de Chengdu  é coberto de policiais, que ficam de guarda em restaurantes e lojas que vendem incenso e artigos religiosos.

Uma tentativa em novembro, para chegar a Aba terminou com um repórter do McClatchy detido e interrogado pela polícia chinesa durante duas horas e antes de ser liberado foi advertido a retornar a Pequim.

Aba,
na neblina das altas montanhas, ganhou a atenção internacional como o epicentro da crise tibetana em março passado, quando um monge do mosteiro de Kirti pos-se em chamas. Ele estaria supostamente celebrando o terceiro aniversário das manifestações de 2008, que ocorreram em todo o planalto tibetano, incluindo Aba, e que terminou em derramamento de sangue.

Depois dessa auto-imolação, cerca de 300 outros monges teriam sido levados em caminhões de Kirti, gerando a preocupação das Nações Unidas.

As autoridades chinesas apontam que gastaram bilhões de dólares construindo hospitais, estradas e escolas no Tibete, que é referido por Pequim como uma região autonoma.

Ou como escrito em um outdoor mostrando os campos verdes e as águas azuis fora de Township Maierma, a aproximadamente 20 quilômetros de Aba: "Construindo uma nova Aba civilizada juntos."

Muitos tibetanos reconhecem os benefícios dos projetos do governo. Mas eles se irritam com as restrições do governo à liberdade de expressão de sua cultura e práticas religiosas, e falam da angústia de terem sido afastados do Dalai Lama.

A ameaça persistente da polícia aparecer na sua porta tornou a situação ainda mais complicada para os tibetanos.

"Se você disser que o governo não está nos tratando bem, isso não é completamente verdade; eles estão nos fornecendo coisas boas", disse um pequeno comerciante de 26 anos em Hongyuan, que fica a 65 quilômetros ou mais para o leste de Aba, dependendo do caminho seguido. "Mas por outro lado, a polícia está se comportando mal. Nós não sabemos o que dizer sobre a situação."

O homem, com um casaco de couro marrom e óculos de sol, pensou e depois disse: "Você deve falar com alguém em Aba". Seu irmão mais novo, sentado na sala de estar da família sob uma única lâmpada, falou: "Claro que as coisas não estão bem; eles estão matando pessoas." Os irmãos se voltaram para o pai, um homem de 40 anos, que usava uma jaqueta de camuflagem verde pendurada sobre os ombros e um cigarro na mão. 

Por que os tibetanos estão se auto-imolando? Primeiro o pai queria deixar claro que ele não iria "assumir a responsabilidade legal" por suas palavras, e então disse: "O governo chinês envia mensagens dizendo que essas coisas estão acontecendo por causa de lotes de estrangeiros, mas é claro que as pessoas que estão ateando-se fogo são população local ... " O pai fez uma pausa e olhou para o pequeno fogão na frente dele, que estava aquecendo a sala queimando esterco de iaque. 
O irmão mais novo, de 20 e poucos anos e com planos de se mudar para uma cidade maior, terminou a frase com uma afirmação que ninguém contrariou:
"As pessoas que ateiam fogo a si mesmos fazem isso porque estão sofrendo ... ou porque um dos membros da sua família foi morto pelo governo e agora eles estão cheios de ódio", disse ele. "Eles estão fazendo essas coisas porque querem expressar sua dor e seu sofrimento."

A maioria dos tibetanos que abordamos disseram que não podiam discutir tais questões.

Um pastor perto da cidade de Chali, cerca de 30 quilômetros a leste de Aba, acenou para um repórter para segui-lo até sua casa. Uma vez dentro de casa, o homem de 67 anos de idade, com as mãos grossas, balançou a cabeça, dizendo: "Desculpe, desculpe, não me atrevo a falar sobre isso." Caminhando de volta para fora através de um campo, o pastor usando calça de veludo marrom e uma jaqueta de inverno escura nos deu conselho: "Ouçam o que os monges têm a dizer."

O monge que teve o parente morto, marchou em um protesto contra o governo chinês durante o tumulto de março de 2008. Quando a polícia
mais tarde chegoudisseo monge, eles cercaram o mosteiro e ameaçaram destruí-lo se aqueles que tinham participado no incidente não se entregassem.

Os documentos oficiais que descrevem sua prisão, dizem que ele e outros haviam tomado parte em uma ação que "havia perturbado a ordem pública" e causado um congestionamento do tráfego. O monge mantém os papéis dobrados em um saco plástico, embora sejam escritos em mandarim, uma língua que não compreende bem.

O monge disse que foi mantido na cadeia e alimentado com quantidades tão pequenas de mingau fino que se tornou difícil até mesmo se levantar. Ele foi então transferido para um campo de trabalho forçado. "Eles me disseram que o grupo do Dalai Lama é um obstáculo para o nosso caminho para a paz", disse o monge, que relutou em descrever a experiência de quase dois anos.

Seu parente não conseguiu voltar - ele morreu sob custódia, resultado de ser espancado na cabeça e depois não receber tratamento médico, de acordo com o monge e outros no mosteiro.

O monge voltou para a área perto de Aba, em 2010. Muitas coisas permaneciam iguais. Velas feitas de manteiga de iaque, ainda a tremer durante a noite. Velhas rodas de oração pacientemente girando. Jovens monges com cabeças r
ecém-raspadas para cima e para baixo pelas encostas íngremes.

O monge descobriu que uma de suas fotos emolduradas do Dalai Lama tinha sobrevivido em um local escondido. O vidro foi quebrado e estava faltando um pedaço, mas a moldura e a própria imagem estavam intactas. Com as buscas constantes do governo e seus registros como prisioneiro, ter essa fotografia por perto poderia ser perigoso para o monge. Mas ele a mantinha mesmo assim.




domingo, 5 de fevereiro de 2012

"Vá para longe de mim" por Tsering Bhum

Cada respiração
Está apressando o caminho ao céu
Inalando a aura entre o céu e a terra
Abraçando a terra
Em um doce sonho

A alma está precipitando a vida
No tênue destino
Parece ver os limites da vida
Às vezes longe, às vezes perto

Tudo isso é familiar
Quando tudo é familiar
Já não sou mais eu mesmo
Sou só um substituto da minha vida passada
Ou um errante desta vida

Escondido na obscuridade
Quero ir-me na noite
Mas o vento feriu minhas asas
E me disse
Que não sou mais capaz de voar

17 de novembro de 2011, em Rebgong

Traduzido para o espanhol por  Aloma Sellanes
Traduzido para o portiguês por Jeanne Pilli e Ieda Abreu

“A Amnye Machen” Por: O Planalto é o meu Lar*


Ainda que nunca tenha te visto
Ainda que nunca tenha estado ao teu lado
Conheço teu verdadeiro valor
Erguida firme no espaço sem limites entre o céu e a terra

Em tua fronte venerável que atravessou milhares de anos
Estão os flocos de neve pura brilhando ao sol no planalto
Sob teus pés enormes, pacíficos e suaves
Chega o som de orações cantadas para ti pelos pastores do planalto

Tu és uma das nove montanhas sagradas do Tibete
Tua fama está firmemente instalada no  mundo
Tu és o Darma defensor de Amdo
Teu bom nome é amplamente conhecido
 
No entanto, hoje, as rodas da ganância
Estão correndo por teus prados, entrando diretamente por baixo de teus pés
Levando bombas, caminhões e escavadeiras
E outras ferramentas estranhas que são usadas pelos demônios
Para escavar as gemas ocultas do teu corpo

O povo que te guarda há milhões de anos
É incapaz de te proteger
Eles só podem suportar em silêncio
Sua única opção é esperar sem nada poder fazer
 
Um dia eles serão forçados a te deixar
Dizendo adeus entre lágrimas ao teu lindo e cálido abraço. Para onde irão?
Serão colocados nas bordas do deserto ermo

E sobre nossa sagrada Amnye Machen
Os rebanhos brancos de ovelhas nunca mais serão vistos
A canção dos pastores nunca mais será escutada
Essa gente indecentemente gananciosa logo te atacará sem piedade
 
N.do T.: * O Planalto é o meu Lar” é o pseudônimo escolhido pelo autor. Devido à situação de perseguição imperante no Tibete, os escritores, intelectuais e a população em geral devem ocultar seus nomes para evitar represálias.



Traduzido para o espanhol por Aloma Sellanes
Traduzido para o português por Jeanne Pilli e Ieda Abreu

"O medo em Lhasa" por Woeser

Uma despedida apressada de Lhasa
Agora uma cidade de medo

Uma despedida apressada de Lhasa
Onde agora o medo é maior que todos os medos juntos… os dos anos 59,  68 e 89

Uma despedida apressada de Lhasa
Onde o medo está em tua respiração, nas batidas do teu coração
No silêncio quando se quer falar… mas não
No nó na garganta

Uma despedida apressada de Lhasa
Onde o medo constante foi trabalhado por legiões com suas armas
Por incontáveis polícias com suas armas
Por policiais disfarçados além da conta
E pela colossal máquina do Estado que se posiciona atrás deles
Dia e noite
E não se deve apontar uma câmera porque eles te apontarão uma arma
E talvez te levem para algum lugar e ninguém saberá

Uma despedida apressada de Lhasa
Onde o medo começa em Potala e se faz mais forte ao leste, através do bairros tibetanos.
Terríveis rastros reverberam por todos os lados, mas à luz do dia nem sequer se pode ver sua sombra
Eles são como demônios invisíveis de dia, mas o horror é pior, pode te enlouquecer
Umas poucas vezes passam ao teu lado e se vê as frias armas em suas mãos

Uma despedida apressada de Lhasa
Onde o medo é agora minuciosamente escaneado pelas câmeras das avenidas, dos becos e dos escritórios
E em cada monastério e em cada templo
Todas essas câmeras, tendo tudo nelas
Girando mundo afora até olhar dentro da tua mente

“Zap, zap, je* ” … te peço, cuide-se
Eles estão nos vigiando, entre os tibetanos isto se converteu em sussurro furtivo
Uma despedida apressada de Lhasa
O medo em Lhasa parte o meu coração, preciso escrever
Tem algo que quero dizer
Vocês têm as armas… eu só tenho minha pena

* zap, zap je em tibetano significa “te peço, por favor, cuide-se”. Atualmente esta é uma das expressões mais frequentemente usadas pelos tibetanos no Tibete

Mais três tibetanos imolados e um morto na China

(AFP) - 04 de fevereiro de 2012

A organização Free Tibet baseada em Londres, e a Radio Free Asia, com sede nos EUA, dão conta de que três tibetanos atearam-se fogo na sexta-feira em uma aldeia remota na província de Sichuan de China. Um morreu e outros dois ficaram gravemente feridos.

"
Eles participaram de protestos que exigiam a liberdade do Tibete e o retorno do Dalai Lama", o líder espiritual no exílio desta região predominantemente budista, informou a
Radio Free Asia citando uma fonte não identificada.

A rádio e a organização Free Tibet informaram os nomes dos tibetanos envolvidos e que um tem cerca de 30 anos e o outro 60, mas não identificou o terceiro, que teria morrido.

As imolações foram reportadas na cidade de Phuhu, cerca de 145 km da cidade de Seda, uma das áreas em que grupos de direitos civis afirmam que as forças chinesas recentemente mataram três e feriram dezenas de tibetanos ao abrir fogo sobre as manifestações.

Pelo menos 16 tibetanos morreram ateando-se fogo no ano passado, em protesto contra a ocupação chinesa de seu território.

A China acusa os governos ocidentais e o Dalai Lama por dar maior magnitude a estes incidentes e culpa separatistas tibetanos por promover agitação.


Tradução Livre de Jeanne Pilli
http://spanish.tibetoffice.org/salon-de-noticias/actualizacion-de-noticias/otros-3-tibetanos-se-inmolan-en-china-y-uno-muere-segun-informes-del-exilio-afp

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Autoridades chinesas impõem restrições cada vez maiores sobre os tibetanos

Depois de disparar contra os manifestantes tibetanos desarmados nos condados de Drango, Serta e  Dzamtang, o governo chinês anunciou novas restrições sobre os tibetanos que vivem na Região Autônoma do Tibete e em outras áreas tibetanas autônomas nas províncias de Qinghai, Gansu, Yunnan, e Sichuan.

A partir de 1 de Março de 2012, quem entrar no Tibete deve apresentar cartão de identidade emitido pelo governo, informou hoje a estatal chinesa  ChinaTibetNews.com citando Qi Zhala, o secretário do Partido Comunista da cidade de Lhasa. (relatório disponivel em  http://www.chinatibetnews.com/lvyou/2012-02/01/content_872080.htm)

Qi Zhala disse esta mudança teve como objetivo ''estabelecer e melhorar a coordenação entre as quatro províncias [Qinghai, Gansu, Yunnan e Sichuan]'', segundo o relatório. Em uma viagem de inspeção nos arredores de Lhasa em 29 de Janeiro de 2012,  Qi, o chefe do Partido em Lhasa, disse aos policiais que eles deveriam se esforçar para alcançar o objetivo de ''nenhum grande incidente, nenhum incidente  médio e nenhum pequeno incidente ocorrerem'' e ''combater severamente todos os separatistas''. Qi também destacou o reforço da segurança e o aumento do número de policiais ao longo das estradas nacionais e mosteiros''chave.''

Informações mais recentes sugerem que as restrições já foi estendidas para os tibetanos que visitam ou vivem em Pequim. Fontes dizem que a Secretaria de Segurança Pública de Pequim emitiu uma nota pedindo que todos os hotéis e saunas em Pequim fiquem mais atentas quanto à presença de clientes tibetanos. Os funcionários de hotéis em Pequim são obrigados a verificar a identidade dos tibetanos e informar imediatamente a delegacia de polícia.

As restrições são excepcionalmente severas em Lhasa, Serta, Drango e Dzamtang, onde uma onda de protestos pacíficos tibetanos ocorreu no mês passado. Tibetanos em Lhasa dizem que são parados no caminho a cada quatro ou cinco passos por agentes de segurança, pedindo-lhes para fornecer os seus cartões de identidade. As forças de segurança em Lhasa têm aumentado sensivelmente nos últimos dias e mantêm estrita vigilância sobre os tibetanos locais nas 24 horas. Muitos que não são de Lhasa foram obrigados a sair. Sabe-se que soldados chineses entram todos os hotéis verificando as identidades dos hóspedes tibetanos.
 
Em Lhasa, os tibetanos que foram à cerimônia de Kalachakra na Índia em dezembro de 2011, também estão sendo interrogados e suas origens estão sendo investigadas.

Neste clima de segurança intensificado, os policiais estão autorizados a fazer visitas súbitas às casas dos tibetanos; eles conduzem buscas arbitrárias nessas casas; interrogam indivíduos aleatoriamente. Foram relatados casos de detenções arbitrárias por algumas fontes, no entanto, os detalhes ainda não estão disponíveis sobre o número exato e as identidades dos presos.



Tradução livre de Jeanne Pilli
http://tchrd.org/press/2011/pr20120201.html