quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Porque o Dalai Lama não pode condenar as auto-imolações tibetanas - por Tenzin Dorjee


Nota do editor: Tenzin Dorjee é diretor executivo do Students for a Free Tibet, uma rede global de estudantes e ativistas que trabalham pela independência tibetana. Escritor e ativista, ele é o porta-voz do movimento global da juventude tibetana.
Por Tenzin Dorjee,


Em uma exibição crassa de cegueira moral, Stephen Prothero comentou em seu blog que a culpa das auto-imolações tibetanas devem ser das vítimas e não de seus tiranos.
Tibetanos estão presos em uma das últimas e mais brutais ocupações coloniais. E é por essa lente, mais do que nada, que devemos entender as auto-imolações.
Desde 2009, pelo menos 44 tibetanos – monges, monjas e pessoas leigas – atearam fogo em si mesmos em protesto a lei chinesa; 39 auto-imolações ocorreram neste ano. Cada um desses atos é um resultado direto do sistemático ataque chinês ao modo de vida da população tibetana, sua língua, religião, mobilização e sua identidade.
Em vez de responder a opressão chinesa com vingança – caminho mais tentador do instinto básico humano – os tibetanos escolheram meios mais pacíficos. Sem agredir um único chinês, eles incendeiam seus próprios corpos para chamar atenção para as atrocidades que ocorrem atualmente em sua terra natal. Eles sacrificam suas próprias vidas, não em nome de ‘Deus’ ou ‘Buda’, como Mr. Prothero sugere com desdém, mas sim como uma intenção altruísta de alertar o mundo sobre o sofrimento de seu povo.
Ao exigir que SS  Dalai Lama condene esses indivíduos que demonstraram uma compaixão além da nossa compreensão, Mr. Prothero traiu com uma colossal indiferença à coragem e circunstâncias daqueles que lutam pela mesma liberdade democrática e direitos humanos que ele próprio goza.
Como pode o Dalai Lama condenar as auto-imolações quando a motivação dos manifestantes era evidentemente altruísta e sua tática não-violenta? Nós pediríamos a Gandhi para condenar os ativistas da luta pela liberdade indiana que eram mortos quando estavam deitados na estrada para bloquear os caminhões da policia britânica? Ou os que estavam morrendo de inanição pelo protesto em forma de greve de fome com as injustiças da lei britânica na Índia?
Em todas as medidas, os responsáveis são os lideres chineses e não o Dalai Lama pelas auto-imolações no Tibete. Eles têm o poder de acalmar as tensões, reverter as restrições, e parar as auto-imolações em poucos instantes. Mas ao invés de procurarem uma decisão definitiva para a questão Tibetana, eles continuam agravando a situação com a intensificação da repressão.
Ninguém é mais tormentado pelas auto-imolações do que o Dalai Lama, cujo vínculo com o povo tibetano vai além do que as palavras podem expressar. De fato, é a influência calma singular do Dalai Lama que mantém até hoje a não-violência do movimento.
Como um ícone universal de paz, a influência espiritual do Dalai Lama vai além do mundo budista. Apesar disso, sua autoridade moral não é uma  fonte infinita. Há um laço moral invisível com o qual o Dalai Lama ata os tibetanos às ações não-violentas por quatro décadas. Mas este laço está desgastado, enquanto que a escalada da tirania chinesa mantém tibetanos sem saída.
As auto-imolações, que surgiram como uma tática após terem sido deixados sem saída por um longo tempo, representam a última instância de uma resistência não-violenta. Se este último espaço para expressão, não importando quão drástico seja, lhes é tomado, o laço talvez possa se romper. O caos irá se instalar, aumentando as chances de um conflito étnico que talvez até mesmo o Dalai Lama terá esgotado seu capital moral para interrompê-lo.
De todas as acusações de Mr. Prothero, a mais ofensiva é a sua comparação das auto-imolações com sati – um sistema social na Índia antiga onde viúvas eram forçadas a se atirarem nas piras funerárias de seus falecidos maridos. Auto-imolação – uma ação política de razão – é o completo oposto de sati – um ato cego de superstição.
Não há um único caso de uma auto-imolação tibetana que tenha sido causada por pressão social ou obrigação religiosa. Cada ocorrência, inesperada como é, abala uma nação, uma comunidade, para não mencionar a família. Cada tibetano reza em seu coração para que seja esta, a última ocorrência.
A imagem de uma pessoa coberta por chamas é chocante, perturbadora, para pessoas que vivem num mundo livre. Mesmo com toda nossa obsessão por filmes violentos, vídeo-games, e coberturas ao vivo de guerras, ainda nossos corações se partem quando vemos um ser humano em chamas.
Mais que nos entregarmos a investigações filosóficas da moralidade das auto-imolações, nós devemos ver essas ações como elas são: pedidos urgentes de ajuda de um povo massacrado por décadas de implacável repressão.
Resta a esperança de que a maioria das pessoas estejam focadas na real questão que aqui temos: como nós devemos responder a esse chamado?
As opiniões expressas nesse comentário são unicamente de Tenzin Dorjee.

Tradução livre de Matheus Paiva Machado e revisão de Jeanne Pilli do original:



quinta-feira, 5 de julho de 2012

Educação sob comando chinês


Educação chinesa no Tibete ocupado
 
A grande meta da política de educação de Pequim no Tibete é estabelecer lealdade com a ‘Grande terra mãe’ e ao partido comunista. Durante a Conferência de Educação em Lhasa, em 1994, o então secretario regional, Chen Kuiyuan, disse:

“O sucesso da nossa educação não está no número de diplomas entregues aos graduandos de universidades, faculdades... e secundário. Está, no final, se nossos estudantes são contra ou a favor de Dalai Lama, e se eles são leais ou não se importam com nossa ‘grande terra mãe’ e a grande causa socialista.”

Esta política cegou as autoridades em diversos núcleos de questões relacionadas ao desenvolvimento dos recursos humanos no platô. Apesar das autoridades alegarem ter ‘assumido uma importante tarefa de desenvolver a educação de massas durante os últimos anos no Tibete’. A fundação de educação para o desenvolvimento de recursos humanos tem sido sempre colocada em segundo plano na prioridade dos programas.

No Tibete independente, antes de 1959, cerca de 6000 monastérios serviram de centros de alfabetização. Além disso, havia no Tibete diversas escolas administradas pelo governo e por terceiros. Chineses classificaram estas tradicionais escolas como centro de ensino e fontes de ‘fé cega’, e nutria o solo para a ‘opressão feudal’. Eles foram, portanto, alvos de ataques e logo fechadas após a ‘liberação’ do Tibete em 1959.

No seu lugar, autoridades forçaram tibetanos de área agrícolas e pastorais a estabelecerem e financiarem escolas, conhecidas como ‘mangtsuk lobdra’. Nenhum dinheiro chinês foi gasto nessas escolas e sua maioria não obedecem os padrões internacionais de ensino. Mas servem para criar impressionantes estatísticas para a propaganda chinesa. Isso está claramente refletido nas afirmações de três sociólogos chineses:

Na ‘RAT - Região Autônoma do Tibete’ tem apenas 58 escolas de nível fundamental, destas, apenas 13 são escolas reais de educação fundamental. Juntas, são apenas 2450 escolas primárias no Tibete, destas, apenas 451 são financiadas pelo governo, 1999 são financiadas pelo povo, estas escolas não são bem equipadas e não possuem boa estrutura. O nível de educação é completamente inexistente ou extremamente baixo. Portanto, a questão de habilidades científicas podem ser descartadas. Atualmente, 90% da população rural não recebe educação de nível fundamental.

Com isso em mente, conversar sobre ensino médio e educação superior é como perguntar para as pessoas comerem bem quando não há comida suficiente disponível. Apenas 45% das crianças em idade escolar vão para a escola. Destas, 10,6% se formam no ensino fundamental. Em outras palavras, 55% das crianças não conseguem nem educação fundamental. Em toda região da ‘RAT’, há cerca de 9000 professores de diferentes níveis, longe do numero necessário. 50% destes professores não estão qualificados. Igualdade entre as nacionalidades somente irá se tornar real quando esta situação for resolvida.

Na década de 80, a política liberal de Pequim encorajava uma atmosfera favorável para o desenvolvimento do sistema de educação que supria as necessidades dos Tibetanos. Infelizmente, a expansão econômica e interesses estratégicos da China no momento levaram a cortes nos fundos de educação. Como resultado, neste período houve queda de 62% no número de estudantes.

Na década de 90, a ‘RAT’ recebeu mais fundos para a educação, e como resultado a região foi declarada como Zona econômica especial. Em 1994, Pequim adotou uma política de educação obrigatória na ‘RAT’. Mas o orçamento para educação se direcionou na maioria para as escolas do governo (Shung-tsuk lobdra), onde os chineses são a maioria. Escolas rurais – onde a maioria dos tibetanos residem – continuaram negligenciadas. Qun Zeng, vice-diretor da Comissão de Educação na ‘RAT’ disse:
“Há muitas escolas financiadas pelo povo (Ming ban), de classes baixas, com grande número de desistência e poucos que completam a escola primária. Por exemplo, das 2800 escolas primarias, 1787 ou 74.5% são financiadas pelo povo (Ming ban) com instalações primarias e professores não qualificados que podem lecionar não mais além do que a primeira ou segunda série. Das 500 escolas primárias administradas pelo governo (gong ban), mais da metade não podem oferecer além da primeira série, por causa das instalações e qualificação dos professores. Há apenas 100 escolas capazes de oferecer o ensino primário completo, e sua maioria estão situadas em grandes cidades, enquanto que há muito poucas em áreas rurais. Em média, há uma escola com ensino primário completo para 897 distritos na região, como resultado apenas 60.4% das crianças em idade escolar estão estudando – a menor taxa em toda China.

Com o grande fluxo de imigrantes chineses no platô, o idioma e cultura das crianças chinesas têm influenciado o sistema de educação – principalmente nos níveis do secundário e superior – assim o mandarim foi ‘imposto’ como idioma na escolarização.

A evolução da educação tibetana na década de 90 pode ser avaliada da situação de ‘educação de massa’ na prefeitura de Chamdo – uma das regiões mais influentes da ‘RAT’. Num artigo de Shang Xioling, repórter da TAR Radio, e Tang ching, repórter de educação na ‘RAT’, nos deram um alarmante pensamento sobre as condições da educação na região de Chamdo. No artigo, intitulado ‘ Notas sobre a triste educação em Chamdo’, que foi publicado em 15 de Julho de 1993 no jornal de Chamdo, publicado em mandarim.

Os autores revelaram que das 110.000 crianças em idade escolar de Chamdo, mais de 70.000 (63.63%) não tem oportunidades de educação. Reportaram que a taxa de analfabetismo e semi-analfabetimo de Chamdo era de 78.8%. Shang e Tang escreveram que apesar de afirmarem que a média de matrículas na ‘RAT’ era de 60.4%, a taxa real era de apenas 43%.

Estas revelações de Shang e Tang expuseram a qualidade duvidosa das estatísticas do governo chinês. Se Chamdo – uma das áreas mais desenvolvidas da ‘RAT’ – tem a taxa de matrículas de apenas 34%, a média da ‘RAT’ no período não poderia ser tão alta quanto 60.4%. Alem disso, as autoridades falharam ao não admitir que a ‘RAT’ e outras área tibetanas de Qingahi (Amdo) e Sichuan (Kham) ainda estão no fim do índice da educação na china – inferior até a Guizhou, a província chinesa mais atrasada.

De acordo com o quarto censo nacional Chinês de 1990, apenas 0,29% dos tibetanos possuem ensino superior; 1,23% possuem ensino médio; 2.47% possuem ensino fundamental; e 18.52% possuem ensino primário. A média nacional chinesa de ensino superior é de 1.42%; ensino médio é de 8.04%; e 37.06% de ensino primário.

O censo nos mostra que 62.85% da população ‘produtiva’ (entre 15 e 40 anos) é analfabeta ou semi-analfabeta e 84.76% das mulheres que trabalham são analfabetas ou semi-analfabetas. Entre os tibetanos empregados nas indústrias do setor publico da ‘RAT’, 80% são analfabetos ou semi-analfabetos. O quinto censo nacional chinês realizado em novembro de 2000 ainda não teve seus dados estatísticos disponibilizados.


Preparando ferramentas políticas

Nos anos 90, mais de um terço dos estudantes secundaristas tibetanos da ‘RAT’ eram mandados para a China para poderem estudar. Só na Beijing’s Tibet Middle School, há aproximadamente 1000 tibetanos – 760 no secundário e outros 200 em outros programas. Estudantes são mandados à China para escolas e permanecem lá por sete anos, retornando para casa somente nas férias. O objetivo de mandar os mais brilhantes jovens tibetanos para estudarem na China é preparar-los como ferramentas para a política de controle chinês no Tibete.

Tibetanos legitimamente se preocupam com essa política que visa debilitar sua identidade e cultura. O 10º Panchen Lama afirmou que o ensino de crianças tibetanas na China tem o único efeito de aliená-las e afastá-las das próprias raízes culturais. Similarmente, um oficial tibetano na ‘RAT’ disse que o objetivo de estabelecer escolas secundaristas tibetanas na China é para preparar a próxima geração de tibetanos.
Em 1994, haviam 13.000 tibetanos matriculados em 104 escolas espalhadas pelas 36 províncias chinesas. Na maioria eram escolas normais chinesas com classes especiais para tibetanos. Entretanto, 18 delas são exclusivas para estudantes secundaristas tibetanos; três delas – localizadas em Pequim, Chengdu e Tianjin – possuem o ensino secundário completo, enquanto que o resto possui apenas o ensino fundamental. 75% dos tibetanos graduandos dessas escolas foram mandados para escolas técnicas.

Tal programa de educação elitista consome uma grande parte do orçamento para educação da ‘RAT’ enquanto que para o sistema nas zonas rurais tibetanas não conseguem financiar sequer a educação básica. Entre 1984 e 1991, ‘RAT’ gastou 53 milhões de Yuan nas escolas secundárias tibetanas na China. Apenas em 1994, foram gastos 1050 Yuan em cada escola secundarista tibetana na China.


Erradicando o idioma Tibetano.

Entre 1959 e 1979, a campanha comunista para destruir os ‘Four Old’s’ (termo utilizado pelos chineses que significa ‘Quatro velhos’: velhos costumes, velha cultura, velhos hábitos e velhas idéias) centrou-se em eliminar o idioma tibetano. Nos anos 80, entretanto, Pequim tomou alguns passos positivos para promover a alfabetização em idioma tibetano e planejou um sistema de educação que respondia as necessidades do povo tibetano.

Em 1987, no Congresso do Povo da ‘RAT’ que aconteceu na capital Lhasa, lançaram uma legislação que garantia o tibetano como idioma principal nas escolas primárias, e estipulou que o mandarim seria introduzido apenas a partir dos nove anos. A legislação prometeu estabelecer o tibetano nas escolas do secundário na ‘RAT’ e em 1993 disponibilizaria a maioria dos cursos universitários no idioma tibetano até 2000. Mas esta política não foi implementada devido a cortes nos financiamentos, e depois, pela falta de vontade dos políticos responsáveis. Como resultado, o idioma tibetano continuou marginalizado, causando preocupação nos tibetanos quanto sua sobrevivência.

Em 1998, o 10º Panchen Lama, participando de sua primeira reunião no Instituto Chinês de Tibetologia em Pequim, comentou:
“A terra, que se administrou sozinha por 1300 anos, desde o século sete, perdeu seu idioma após se libertado. Se nós no mantivemos atrasados ou cometemos erros, mas nós administramos nossa vida no mais alto platô do mundo utilizando apenas o tibetano. Nós tínhamos tudo escrito no nosso próprio idioma, sobre Budismo, artes, astronomia, poesia, lógica. Todos os trabalhos administrativos também eram feitos em tibetano. Quando o Instituto de Tibetologia foi fundado, eu discursei no Palácio do Povo e disse que os estudos tibetanos deveriam ser baseados na sua própria religião e cultura. Até agora nós subestimamos estes assuntos... Deixar a cultura tibetana morrer pode não ser o objetivo do Partido, mas eu me pergunto se o idioma tibetano sobreviverá ou se será erradicado.”
Em 1992, o professor Dungkar Lobsang Trinley – um dos líderes culturais e intelectuais tibetanos que foi reconhecido pelos líderes chineses como ‘tesouro nacional’ – disse que “apesar do Tibetano ser declarado como primeiro idioma usado em todos os escritórios do governo, em reuniões e em comunicados oficiais, o mandarim está em todos os lugares como idioma dos trabalhadores.” Essa afirmação, ele argumenta, resultou na perda de controle dos tibetanos sobre seus próprios destinos, Professor Dungkar disse: “Toda a esperança no nosso futuro, todos os outros assuntos, identidade cultural e proteção do nosso patrimônio depende do nosso idioma. Sem pessoas educadas em todas as áreas, capazes de se expressar por elas mesmas no próprio idioma, tibetanos estão com o perigo de não se entenderem. Nós alcançamos este ponto”

Dherong Tsering Dhonpup, outro acadêmico do Tibete, levantou uma preocupação similar depois de conduzir uma detalhada pesquisa do status do idioma tibetano em vários pontos do leste tibetano, agora parte da província chinesa de Sichuan.

Nesse relatório, publicado no início dos anos 90, Dherong escreveu que de 6.044 tibetanos membros do partido e oficiais em nove distritos formando a prefeitura autônoma tibetana de Karze, apenas 991 foram alfabetizados em tibetano. Similarmente, a maioria dos 25 estudantes tibetanos de uma classe de Dhartsedo não falam nada de tibetano. Dherong citou as três principais razões para isso: a primeira, ele disse, é a política chauvinista do governo chinês, que acelera o processo de inserir os modos chineses; a segunda é a noção de que o tibetano é um idioma sem valor na sociedade atual; e a terceira, é o complexo de inferioridade sofrida pelos tibetanos, o que dificulta a iniciativa de proteger o próprio idioma.

Elaborado na política chauvinista de Pequim, Dherong escreveu que os socialistas chamavam para se juntar aos esforços para promover todas as nacionalidades, e não ‘limpar’ qualquer nacionalidade em especial. A constituição chinesa garante liberdade igual para todas as nacionalidades administrarem sua própria educação, ciência, cultura, saúde e higiene, e o direito de proteger seu patrimônio cultural. Entretanto, esses direitos garantidos constitucionalmente, ele argumenta, nunca foram completamente implementados para os tibetanos. 



Traduzido livremente por Matheus Machado

 http://tibetoffice.org/tibet-info/education-in-chinese-occupied-tibet



sexta-feira, 29 de junho de 2012

Monge tibetano compartilha ideias sobre as auto-imolações





Por Kai Küstner | DEUTSCHE WELLE
em 28 de junho de 2012

Mais manifestantes tibetanos atearam fogo a si próprios este ano, em uma das maiores ondas de auto-imolações políticas da história recente. Um monge tibetano no exílio fala sobre o assunto.

Dois novos casos de auto-imolações de tibetanos ocorreu nos últimos dias. É um desenrolar de fatos que exilados tibetanos em Dharamsala, a residência do seu líder espiritual, o Dalai Lama, estão seguindo com preocupação crescente.

O refeitório no campo de refugiados para os tibetanos que escapavam da China é do tamanho de um estádio de esportes. Uma grande foto de um sorridente Dalai Lama está pendurada no local onde 500 tibetanos exilados em geral se encontram para comer. Mas apenas cinco estão lá neste dia em particular.

"Recebíamos entre 2000 e 3000 refugiados por ano, antes da revolta no Tibete em 2008," disse Mungyur Yondon, que trabalha no refeitório. "Mas a situação tornou-se muito tensa desde então." O governo chinês estabeleceu um adicional de guardas e militares e encheu a região. "Então é muito difícil de passar".
 
 
Perigoso e caro

Apenas dois exilados tibetanos vivem agora no centro de refugiados, recentemente construído no norte da Índia, projetado para acomodar 500 pessoas. Simplesmente a viagem tornou-se muito perigosa e cara.

Gayrong Chonphel é um dos monges que arriscou sua vida e foi bem sucedido. Agora, ele quer dizer ao mundo o que aconteceu em seu monastério em sua terra natal. "O exército e a polícia ocuparam o monastério em 2008 para aplicar o chamado" plano de reeducação", diz ele.

Exigiram que ele renunciasse ao Dalai Lama, disse Chonphel que, como todos os monges, considera "Sua santidade" seu líder espiritual com reverência. Os chineses, pelo contrário, consideram o Dalai Lama um terrorista, que forçou a secessão no Tibete. Chonphel decidiu fugir e esconder-se durante meses nas florestas.
 
 
 
"Melhor estar morto"

"Os tibetanos têm visto com seus próprios olhos sua cultura e sua língua sendo forçadas a morrer", diz Chonphel. "Alguns acham que é melhor ser morto do que ver isso acontecer." Essa é a razão para o auto-imolações. "Eu também senti essa depressão".

Aspergir combustível em si próprio e acender um fósforo é uma forma trágica de protesto tibetano que muitas vezes termina em uma morte dolorosa. Nunca vi tantas auto-imolações como neste ano. Em Dharamsala acendemos velas para cada auto-imolação.

"Como ser humano, você tenta desencorajá-los", disse Lobsang Sangay, primeiro-ministro do governo tibetano no exílio. "Como um budista, você reza por eles." "E como tibetano, você demonstra solidariedade com seus motivos".

As auto-imolações levaram o governo chinês a uma situação difícil. E sob pressão, seguem um rumo diferente do que o Dalai Lama porpôs e tem seguido, o chamado caminho do meio no diálogo com a China.
 
 
 
Ainda um sonho

"Meu trabalho é difícil o suficiente, sem adicionar mais dificuldades", disse Sangay. "Nossa posição é muito clara: somos a favor da não-violência e da democracia, sem concessões".

Embora os monges budistas tibetanos possam praticar sua religião sem maiores restrições na Índia, o objetivo de cada um é um dia voltar ao Tibete no outro lado do Himalaia, diz Chonphel.

Mas o monge acabava de receber uma mensagem de sua família no Tibete, dizendo que seu retorno no momento, não é possível. Portanto, ele deve aceitar que o retorno ainda é um sonho... por agora, mas não para sempre.
 
 
Tradução livre de Jeanne Pilli
http://www.dw.de/dw/article/0,,16056862,00.html?maca=en-rss-en-all-1573-rdf
 
 
 
 
 

Genocídio cultural por trás da auto-imolação


por Emily-Anne Owen 

O governo chinês não deve "eliminar o individualismo", mas ao invés disso, deveria incentivar a diversidade de religião, cultura e linguagem, enfatizou o Dalai Lama, o líder espiritual tibetano, após outra auto-imolação ocorrida na semana passada na província chinesa de Qinghai. Em conferência na Universidade de Westminster em Londres na semana passada, o Dalai Lama pediu ao governo chinês que aprenda com o sucesso do pluralismo na Índia, onde ele viveu no exílio desde que fugiu de sua terra natal em 1959.
Embora tenha admitido que "a completa independência está fora de questão", lamentou o  sistema "ultrapassado" do governante do Partido Comunista Chinês (PCC), a quem grupos de apoio ao Tibete acusam de esmagar a cultura tibetana.

O discurso do Dalai Lama ocorreu após a auto-imolação de um monge tibetano, Tamdin Thar, que morreu na semana passada na província autônoma tibetana de Huangnan, localizada no noroeste da China. O monge foi, pelo menos, o trigésimo oitavo tibetano a atear-se fogo desde 2009 e o vigésimo nono que morreu. No mês passado, as imolações se estenderam à capital tibetana, Lhasa, pela primeira vez, quando dois homens colocaram-se em chamas em frente a um templo.

No ano passado, o Dalai Lama acusou Pequim de "genocídio cultural" no Tibete, em uma conferência de imprensa em Tóquio, e atribuiu a onda sem precedentes de auto-imolações à cada vez mais dura repressão do governo à cultura e à religião  tibetanas.


Cultura sob ataque

Desde a revolta de 2008, a China desencadeou uma repressão cada vez mais dura em áreas tibetanas do país. As políticas do governo foram sentidas com maior intensidade nos monastérios: vigilância policial permanente, austeridade no fornecimento de comida e água, e educação patriótica para os monges, o que têm alimentado a raiva e o desespero.

Este ano, Pequim distribuiu mais de 1 milhão de retratos dos quatro mais importantes líderes comunistas da China e bandeiras chinesas em monastérios, residências e escolas tibetanos. As imagens do Dalai Lama, o mais importante líder espiritual dos tibetanos, foram banidas. Mas estas medidas drásticas não aconteceram apenas em monastérios. As autoridades fecharam uma escola tibetana, que oferece aulas de língua tibetana e cultura tibetana, de acordo com o centro tibetano de direitos humanos e democracia, com base na Índia.
A Escola de Rokten de Jamtse de Khadrok, fundada em 1989, foi forçada a fechar no dia 2 de abril, de acordo com um relatório do centro tibetano. A escola está localizada no Condado de Garzê, conhecido em tibetano como Kardze, na província chinesa de Sichuan, no sudoeste da China, uma área do país onde as autoimolações tornaram-se cada vez mais frequentes. Dois professores foram presos.

A escritora e poetiza tibetana Tsering Woeser, que tem sido crucial para informar sobre as autoimolações em um blog altamente influente, acredita que tais ações destinam-se a desgastar a cultura tibetana.

"A língua é muito importante para qualquer raça". "Mas nas áreas tibetanas, o governo chinês está gerando reformas na educação para reduzir o ensino em língua tibetana," disse Woeser para a IPS. "Nas escolas tibetanas, onde se supõe que as aulas sejam ministradas em língua tibetana, se usa o  mandarim e até mesmo os livros didáticos estão em mandarim." "Pior ainda, as escolas mantidas por civis estão sendo fechadas gradualmente".

"Enquanto isso, os intelectuais modernos, incluindo escritores, cantores e funcionários de ONGs, têm sido presos e detidos", disse Woeser, "Estou preocupada porque, um dia, a cultura tibetana desaparecerá".


Ardendo em desespero

"Isso é por estes incidentes tristes pelos quais eles passaram, por causa deste tipo de desespero," disse o Dalai Lama em conferência à imprensa em 2011. "Até mesmo os chineses da China continental que visitam o Tibete têm a impressão de que as coisas estão terríveis." "Está ocorrendo uma espécie de genocídio cultural".

Pequim acusou o Dalai Lama de agitar o conflito e afirmou que as imolações são "terrorismo disfarçado". Um editorial publicado no jornal estatal China Daily, na segunda-feira disse que há um "caso sobre o Tibete" e que é uma ficção "inventada pelos britânicos". Mas a campanha internacional do grupo de apoio ao Tibete (ICT, sigla em inglês) também acusou a China de "genocídio cultural".

Em um relatório intitulado "60 anos de governo chinês ruim: discutindo o genocídio Cultural no Tibete", publicado em abril, durante o mês de prevenção do genocídio, a ICT disse que as autoridades chinesas fizeram um esforço sistemático e orquestrado para substituir a cultura tibetana orgânica por uma versão aprovada pelo Estado, que atende aos objetivos do Partido Comunista Chinês.

A situação no Tibete não é um caso episódico ou discreto de violação dos direitos humanos contra os tibetanos; "Cultura tibetana foi alvo de destruição desde o início, quando o PCC assumiu o controle do Tibete", disse a Presidente do ICT, Mary Beth Markey à IPS.

"A opressão cultural tem sido institucionalizada através da implementação de diversas campanhas, leis e regulamentos." Quando a expressão cultural se encaixa nos parâmetros estabelecidos pelo Estado chinês, é tolerada e mesmo comercializada. Quando não, a cultura é censurada ou marginalizada por meio de assimilação forçada.

O ICT publicou o relatório em 25 de abril, dia do aniversário do Panchen Lama, Gedhun Choekyi Nyima. Este líder religioso, o segundo mais importante do budismo tibetano após o Dalai Lama, foi levado sob custódia das autoridades chinesas em 1995 e não se teve notícias dele desde então.

Desde então, Pequim tem apresentado seu próprio Panchen Lama, Gyancain Norbu 22 anos, que deu seu primeiro discurso público fora da China continental neste ano. Enquanto sua aparição em Hong Kong é amplamente vista como esforço da China em ganhar reconhecimento internacional para o Panchen Lama aprovado pelo Estado, ele não é reconhecido pelo Dalai Lama e nem pelo governo tibetano no exílio.

Tradução livre de Jeanne Pilli
 http://www.atimes.com/atimes/China/NF26Ad01.html

terça-feira, 1 de maio de 2012

BREVE RESUMO DA 6ª CONVENÇÃO DE PARLAMENTARES PELO TIBETE

A CONVENÇÃO MUNDIAL DE PARLAMENTARES PELO TIBETE INSTA A CHINA A RETOMAR O DIÁLOGO PELA AUTONOMIA TIBETANA

1o de Maio

OTAWA: Parlamentares de todo o mundo assinaram hoje a Declaração de Otawa. Reuniram-se em   Otawa para três dias de deliberações intensivas sobre o agravamento da situação no Tibete, a convite dos Parlamentares Amigos do Tibete, Canada. Legisladores da Ásia, Europa, Américas, África e Oceania uniram-se a pessoas de destaque da China, Tibete, Índia, EUA, Canadá e outros países, incluindo o líder político tibetano democraticamente eleito, o Kalon Tripa, Dr. Lobsang Sangay.

Sua Santidade o Dalai Lama abriu a conferência e o Deputado Joson Kenney, Ministro para a Cidadania, Imigração e Multiculturalismo saudou os participantes.

A Declaração de Otawa chama a atenção para as políticas repressivas da China no Tibete e para o grave padrão de violações de direitos humanos bem como para a destruição da identidade do povo tibetano pela China, como evidenciado pelos ataques contra a religião budista, a língua e a cultura tibetanas e pelos deslocamentos forçados de tibetanos nômades, que implicam elementos de genocidio. Expressa o profundo pesar por muitos tibetanos que se auto-imolaram para protestar contra essas políticas e demanda a liberdade tibetana e o retorno de Sua Santidade o Dalai Lama.

A Declaração ressalta a importância de retomar o diálogo com Sua Santidade o Dalai Lama e elogia o recém-eleito líder político tibetano por reafirmar seu compromisso com a visão de Sua Santidade o Dalai Lama - a abordagem do Caminho do Meio - como uma solução honrosa para a questão do Tibete.

À luz da posição de SS o Dalai Lama e da Administração Central Tibetana (o governo tibetano no exílio), estabelecida há vários anos, a Declaração rejeita enfaticamente as acusações persistentes do Governo chinês de que Sua Santidade o Dalai Lama e os líderes políticos tibetanos estejam buscando separar da China.

Observando com preocupação os recentes apelos de pessoas de reputação e influência dentro do Partido Comunista Chinês, que defendem o desmantelamento das disposições constitucionais e legais da China sobre a autonomia para os tibetanos e povos minoritários na RPC, os parlamentares se reuniram em Otawa para alertar o Governo chinês e a Comunidade internacional para as potenciais consequências graves de tal movimento regressivo.

A Declaração expressa solidariedade com a luta não-violenta dos tibetanos e apoio ao movimento crescente entre o povo chinês no sentido de provocar uma mudança democrática na China e de exigir a libertação do ganhador do Prêmio Nobel, Liu Xiaobo. Ao mesmo tempo, todos os parlamentares desta conferência genuinamente estendem a mão para os chineses do Congresso Nacional Popular oferecendo-se para trabalhar com os legisladores da China e encontrar formas resolver honrosamente a disputa tibetana.

http://tibet.net/2012/05/01/world-parliamentarians-convention-on-tibet-wpct-urges-china-to-resume-dialogue-for-tibetan-autonomy/ 



quinta-feira, 26 de abril de 2012

Para onde a China está conduzindo o Tibete?

Vocês sabem que tenho liderado a delegação tibetana no diálogo com o governo chinês há muitos anos. Mas não estou aqui hoje para relatar meu progresso, porque não há nada novo a dizer sobre essa frente. Meu último encontro com os meus colegas em Pequim foi em janeiro de 2010. Desde então, apesar dos sinceros e sérios esforços de minha parte, tenho sido incapaz de me reunir com eles. Com a crítica situação no Tibete, as mudanças nas lideranças tanto em Pequim quanto em Dharamsala, e devido a alguns outros fatores, não vejo qualquer perspectiva de que o diálogo seja rapidamente retomado, ao menos na minha visão. No entanto, após passar décadas neste esforço, eu ainda acredito apaixonadamente que em última análise, a única maneira de os tibetanos e chineses encontrarem uma solução mutuamente aceitável para o Tibete é através do diálogo. Espero, portanto, que o pensamento previdente e um ressurgimento de vontade política possam prevalecer sobre a intransigência entre os líderes da China, e fico feliz em ver que o líder tibetano democraticamente eleito, Lobsang Sangay, o Kalon Tripa (presidente do Conselho de Ministros) tem repetidamente manifestado um forte compromisso em prosseguir a abordagem do Caminho do Meio, iniciado por Sua Santidade o Dalai Lama.

Cada luta é única. No caso da luta tibetana, a sua singularidade deriva da natureza do povo tibetano, da cultura budista tibetana, e da profunda ligação histórica e pessoal entre os tibetanos e Sua Santidade o Dalai Lama.

Mesmo após ter devolvido sua autoridade política a uma liderança eleita em 2011, a visão de mundo do Dalai Lama, moldada pelas extraordinárias experiências, às vezes trágicas de sua vida; as dezenas de líderes mundiais, incluindo Pandit Jawaharlal Nehru, Mao Tsé-Tung e outras figuras imponentes a quem ele conheceu; e seu compromisso inabalável com a paz e a não-violência, fazem do Dalai Lama a pessoa chave para por um fim a este conflito que perdura por mais de 60 anos.

Hoje, eu gostaria de chamar a atenção para alguns elementos novos neste longo conflito e de compartilhar com vocês a minha séria preocupação de que, a menos que esses elementos sejam considerados com cuidado, a base para qualquer eventual solução negociada possa ser perdida.

Desde bem jovem, tenho tido o privilégio de servir a Sua Santidade o Dalai Lama e, nos últimos anos, tenho sido interlocutor chefe de Sua Santidade, em conversações com a liderança chinesa. Como um membro do gabinete da administração tibetana no exílio e enviado especial de Sua Santidade o Dalai Lama, eu também tive interações estreitas com dirigentes e funcionários em vários níveis de governos em diferentes partes do mundo. Crescer na India, onde há liberdade e democracia, enriqueceu profundamente meu pensamento, e tenho sido particularmente feliz em conhecer e, em muitos casos, a trabalhar em estreita colaboração com uma plêiade de intelectuais e líderes políticos indianos. Aqui nos Estados Unidos, onde tenho participado ativamente no avanço da causa do Tibete há quase 25 anos, eu também tive a oportunidade de conhecer muitos estudiosos, líderes governamentais e funcionários que trataram assuntos com a Ásia, e que especificamente lidaram com a política da China. Muitos deles tiveram a gentileza de oferecer sua amizade pessoal e orientação, como o falecido embaixador Richard Holbrooke. Tenho me beneficiado enormemente da sabedoria e da orientação de muitas dessas pessoas. Meus 30 anos de contato com os líderes chineses, inclusive com os membros do Escritório Político do Partido Comunista, também me permitiram conhecer em primeira mão seus pontos de vista e prioridades, e também suas preocupações.

Essas experiências têm embasado minha atuação diplomática em nome de Sua Santidade o Dalai Lama, e gostaria de acreditar que tenho melhor servido a ele e à luta tibetana, por causa da informação e do acesso que me foram dados. Espero que as minhas observações de hoje sejam recebidas no espírito com o qual outros partilharam as suas ideias comigo e como as de um diplomata tibetano mais velho, que viveu esses tempos históricos e cuja memória institucional é maior do que a de alguns daqueles que estão menos familiarizados com o Tibete, ainda que possam estar moldando a atual política do Tibete.

A história das relações entre o Tibete e a China e entre tibetanos e chineses é complexa e não pode ser entendida simplesmente no contexto da República relativamente jovem da China. Isto pode parecer uma afirmação óbvia, não fosse o fato de muitos de nós não termos estudado história suficientemente, e de nossos amigos em Pequim parecerem ter a intenção de hoje convencer os decisores políticos, não só de que "o Tibete é uma parte inalienável da China", como também de que as relações com a RPC devem ser baseadas em uma noção, incorretamente aplicada ao Tibete, que sustenta a visão de que a luta tibetana viola o princípio "uma só China".

A relação Tibete-China atual tem suas raízes na invasão militar do Tibete pela China em 1949/50 e no "Acordo de Dezessete Pontos para a Libertação Pacífica do Tibete" imposta aos tibetanos em 1951.

Nesta conjuntura, permitam-me voltar a uma série de questões que potencialmente afetam as escolhas políticas que governos da Ásia, Europa e Estados Unidos, bem como a liderança tibetana no exílio enfrentam. Estas correspondem a três preocupações muito graves que tenho com relação a: comportamento internacional relativo ao Tibete, a possível orientação da política chinesa em relação à autonomia do Tibete e a situação alarmante no próprio Tibete.

Primeiro, como eu já mencionei, gostaria de abordar uma causa fantasma da paralisia que afeta a capacidade de alguns governos para colocarem em prática uma política crível e flexível sobre o Tibete e o agravamento da situação. Esta é a bem conhecida, mas aparentemente mal compreendida política de "uma só China", invocada pelo governo chinês para impedir uma legítima investigação ou engajamento por membros da comunidade internacional com respeito ao Tibete.

A política de "uma só China", como vocês devem saber, foi criada na década de 1970 como o instrumento que permitiu aos Estados Unidos estabelecerem relações com a República Popular da China e manterem relações com a República da China em Taiwan.

O então presidente dos EUA, Richard Nixon, e seu assistente de segurança nacional, Henry Kissinger, estavam atendendo à necessidade dos líderes comunistas chineses de obterem garantias sobre a política dos EUA em relação a Taiwan, quando disseram ao Premier chinês Chou Enlai e ao Líder do Partido Comunista, Mao Zedong, que os Estados Unidos não estavam buscando sustentar uma política de "duas Chinas". No Comunicado de Xangai em 1972, os Estados Unidos engenhosamente reconheceram que "todos os chineses em ambos os lados do Estreito de Taiwan reivindicam que existe "uma só China" e que Taiwan é parte da China ... e os Estados Unidos não contestam esta posição."

Esta política "uma só China" preparou o caminho para o comunicado conjunto estabelendo relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a República Popular da China em 01 de janeiro de 1979, e a aprovação pelo Congresso dos Estados Unidos do Ato sobre Relações com Taiwan no mesmo ano. Sob o acordo de 1979, os Estados Unidos reconhecem o governo da China como o único governo legal da China, enquanto o Ato sobre Relações com Taiwan define a natureza das relações que os Estados Unidos mantêm com Taiwan, em termos compatíveis com a política "uma só China", mas protege o status quo e, portanto, o status de Taiwan, fosse como fosse.

A adesão à política de "umaChina" tem sido reiterada por sucessivas administrações norte-americanas, às vezes fazendo referência explícita aos comunicados acima mencionados ou ao estado imutável de Taiwan. Embora a política de "umaChina" tenha sido articulada no âmbito China-EUA e Taiwan-EUA, Pequim exige cada vez mais que outros governos com os quais estabelece ou mantém relações também endossem essa política "uma só China".

Qual é a relevância desta discussão para o Tibete? Se alguém precisa de alguma referência para as relações China-Tibete, esta não é o comunicado Shanghai de 1972, mas o "Acordo de Dezessete Pontos" mencionado anteriormente. Na verdade, a falta de relevância da política "uma só China" é precisamente o que eu gostaria de abordar. Nenhum governo tibetano jamais afirmou ser o governo da China, portanto a política de "uma só China" para o Tibete ou para essa questão em que o governo da RPC salienta a inalienabilidade de Taiwan e China continental como partes de uma única 'China' - simplesmente não se aplica.

Temos nossas diferenças com os líderes da China, quando se trata da história do Tibete e da nossa independência histórica da China, mas, como vocês bem sabem, as propostas e declarações de Sua Santidade o Dalai Lama sobre formas de resolver a questão tibetana prevêem soluções que respeitam a soberania e integridade territorial da República Popular da China como o estado é hoje constituído. Estas soluções propostas demandam o exercício de uma verdadeira autonomia pelos tibetanos no seio da República Popular da China e no âmbito de sua constituição, não pela independência.

No entanto, o governo da China exerce vigorosamente esforços para estender a aplicabilidade de "uma só China" para o Tibete e, nos últimos anos, tem levado não apenas uma série de governos a acreditar que a política da "uma só China" se aplica ao Tibete, como também restringe a medida em que seus governantes podem interagir com os líderes tibetanos no exílio, incluindo Sua Santidade o Dalai Lama. Acreditamos que o efeito pretendido da iniciativa da China é limitar outros governos a desempenharem um papel construtivo na promoção de uma solução mutuamente negociada e aceitável para o Tibete. De fato, ao aceitar a aplicação de "umaChina" para o Tibete, os governos estão sutilmente alinhando-se com a posição chinesa de que o Dalai Lama está tentando "dividir" a China.

Enquanto o governo da China tenta intimidar alguns governos levando-os a crer que reunirem-se com os líderes tibetanos exilados poderia violar a política de "uma só China", na realidade, esta afirmação não está alinhada com a própria política. Se houvesse essa conexão, a adesão de qualquer governo a política de "uma só China" teria o efeito oposto. Uma vez que a política foi desenvolvida justamente para tornar possível os Estados Unidos continuarem a conduzir as relações com Taiwan, reconhecendo o governo da China como o único governo da China, se a política fosse relevante para o Tibete, então deveria permitir aos governos conduzirem relações com a liderança tibetana no exílio e com Sua Santidade o Dalai Lama, sem incorrerem em desagrado a Pequim.

Ironicamente para a afirmação chinesa, o Governo dos Estados Unidos na verdade direciona seus oficiais, através da implementação da política tibetana Lei (PL 10-228, Sec. 611) a "manterem estreito contato com os líderes religiosos, culturais e políticos do povo tibetano ... "Os europeus e outros oficiais do ministério do Exterior, ou os seus conselheiros, que aceitam o argumento oposto de Pequim de forma não crítica, devem fazer uma análise adequada antes de advertir os seus próprios líderes políticos a não cruzarem essa linha relativa ao Tibet que em verdade não existe.

Cada governo tem o direito de se envolver com a liderança tibetana, sem afetar a sua adesão solene a política da "uma só China" e eu diria ainda que tem o dever, livre do auto-interesse e por interesse pela paz mundial, de promover uma solução pacífica para a questão envolvendo-se com ambos os lados do conflito. Com a transferência do poder em Dharamsala, é fundamental que os governos estejam preparados para olhar adiante e tomar decisões políticas baseadas em relações diretas com a nova liderança, democraticamente eleita, cuja autoridade é derivada diretamente do povo tibetano no exílio e que é vista por tibetanos dentro do Tibete como sendo derivada diretamente de Sua Santidade o Dalai Lama.

Desnecessário dizer que o Tibete está situado em um lugar de importância estratégica na Ásia, em seu coração entre as duas maiores populações do mundo (a chinesa e a indiana), e compartilha sua fronteira com populações islâmicas do Afeganistão, Paquistão e Ásia Central. Também não se deve perder de vista a importância do platô tibetano como o "terceiro pólo" ou a terceira maior reserva de gelo da Terra. E, como as alterações climáticas estão causando e, ainda mais, acelerando o derretimento das geleiras do Tibete, as questões relativas a água originadas no Tibete terão efeitos que ressoarão muito além, afetando tanto a oferta para bilhões de pessoas quanto a circulação atmosférica da água em grande parte do planeta.

A instabilidade no planalto tibetano pode, portanto, ter amplos desdobramentos. Deve-se considerar também que o tipo de extremismo violento que estamos vendo em outras partes do mundo não é visto no Tibete, onde Sua Santidade o Dalai Lama e os princípios da cultura budista tibetana - lutando contra enormes dificuldades para sobreviver - são fatores moderadores contra os efeitos desestabilizadores e potencialmente perigosos de propaganda de ódio, do aumento das tensões e das desigualdades econômicas entre tibetanos e chineses, e de outros fatores de risco no Tibete. Governos e líderes mundiais engajados com os tibetanos, especialmente com Sua Santidade o Dalai Lama, endossam a mensagem de que o diálogo e a não-violência são um caminho louvável a ser seguido para trazer a mudança. O medo e até mesmo a recusa em se reunir com líderes tibetanos enviam o sinal oposto àqueles ao redor do mundo que se encontram diante da escolha entre prosseguir a busca de seus objetivos através do diálogo e meios democráticos ou através do uso da violência. Os líderes ​​governamentais europeus e outros que desejam ficar a favor da resolução não-violenta de conflitos e contra o uso de força letal devem estar atentos a como demonstram suas convicções e, no caso do Tibete, devem seguir o exemplo dado pelos sucessivos Presidentes dos EUA, secretários de Estado e líderes do Congresso e seguir ao lado de Sua Santidade o Dalai Lama e do povo tibetano.

Em relação às políticas chinesas sobre o Tibete, constato com preocupação o recente artigo de uma pessoa de dentro do Partido Comunista Chinês que defende o desmantelamento das disposições constitucionais e leis chinesas referentes a autonomia que se aplicam aos tibetanos e outras nacionalidades minoritáriass dentro da RPC. Isto não deve ser visto como uma expressão de um ponto de vista individual com excesso de zelo. Já há alguns anos, um acadêmico com fortes laços com a liderança do Partido Comunista e que lida com a questão tibetana também tem defendido este ponto de vista em diversos fóruns. É importante compreender as consequências da implementação de tais idéias, pois são importantes.

As propostas de Sua Santidade o Dalai Lama e a posição do governo tibetano no exílio, apoiadas por muitos especialistas e governos internacionais, é de que a situação no Tibete deve ser resolvida pela transformação do que hoje é apenas uma autonomia nominal para os tibetanos, sob a Constituição e as leis chinesas, em um autonomia genuína e eficaz. Estamos convencidos de que o nosso principal objetivo de restaurar o direito dos tibetanos de viverem como tibetanos de acordo com nossa cultura, valores e tradições religiosas, pode ser melhor alcançado se os tibetanos puderem governar a si próprios, sob um sistema de devolução do poder do governo central para a região do Tibete e suas prefeituras tibetanas autônomas e municípios contíguos na República Popular da China (onde a metade de todos os tibetanos vivem). A comunidade internacional está cada vez mais consciente dos benefícios da descentralização do poder e da contribuição do regime de autonomia na resolução e prevenção de conflitos, especialmente em Estados multiétnicos. Os tibetanos estão pedindo autonomia, tal como definida em detalhe no "Memorando sobre uma Autonomia Genuína para o Povo Tibetano" que a minha delegação apresentou ao governo chinês em nossa 8 ª rodada de diálogo em novembro de 2008, que respeita a estrutura constitucional chinesa e está em linha com as melhores práticas dos Estados em áreas autônomas.

Ao invés de apoiar a implementação de uma verdadeira autonomia em áreas tibetanas no seio da República Popular da China, a proposta a qual me refiro defende o oposto. Em nome da promoção do nacionalismo chinês, a proposta apela a eliminar o status de etnia e minoria para os tibetanos, juntamente com políticas assimilacionistas, tais como exigir que as crianças tibetanas estudem a cultura chinesa, como a cultura aspiracional. A política que está sendo defendida nega o caráter distintivo de tibetanos e outros não-chineses e aceleraria a destruição cultural grave já em curso no Tibete.

A sessão recém-concluída do Congresso Nacional Popular Chinês não acatou a essas sugestões, mas ainda assim essas idéias são perigosas. Se tais idéias levarem a mudanças nas leis de autonomia, tal desenvolvimento teria consequências internacionais graves, e afetaria as perspectivas de alcançar uma solução negociada para a questão do Tibete, pois é com base em um Tibete realmente autônomo que Sua santidade o Dalai Lama tem sido capaz de construir um consenso entre os tibetanos para um futuro de convivência com os chineses.

Os desdobramentos internacionais devem ser cuidadosamente ponderados por qualquer líder chinês que contemple esta mudança política radical. É necessário considerar que o reconhecimento das reivindicações da China com relação ao Tibete por parte de alguns governos foi condicionado, através de vários intercâmbios diplomáticos, pelo entendimento de que a identidade distintiva do Tibete seria respeitada, como uma área autônoma dentro da República Popular da China. Talvez o mais importante neste contexto tenha sido a demanda da Índia e a garantia explícita da China, dada pelo primeiro-ministro Chou Enlai ao primeiro-ministro Pandit Jawaharlal Nehru em 1956.

Dada a proximidade da Índia com o Tibete e as suas longas relações com esse país e com a China, a posição do governo indiano e as garantias dadas a ele por parte da República Popular da China são particularmente importantes, porque esses fatores afetaram claramente as ações e posições de outros estados cujos governos, assim como o Governo da Índia, continuaram a enfatizar a autonomia do Tibete, embora reconhecendo o Tibete como uma parte da República Popular da China. Os comunicados conjuntos entre a Índia e China fazem uma importante distinção ao lidarem com o Tibete, referindo-se ao status de autonomia da região tibetana. A revogação da autonomia do Tibete pela China ou a diluição de seu significado não deveriam ser facilmente aceitos por esses governos e poderiam ter graves consequências para a China e região.

O que os líderes da China também devem perceber é que ao renegar as promessas de autonomia presentes na constituição, mesmo que não cumpridas, afetam gravemente a posição do Tibete sobre a questão. A abordagem do "Caminho do Meio" de Sua Santidade o Dalai Lama é baseada na suposição de que um meio termo entre a independência e a atual ditadura centralista é possível no âmbito da República Popular da China e de sua constituição. Esse meio termo é uma autonomia genuína. Se a base constitucional para a autonomia for removida da Constituição chinesa e se, portanto, a abordagem do Caminho do Meio não puder mais ser acomodada no seio da República Popular da China e de sua constituição, então os tibetanos serão obrigados a buscar uma abordagem totalmente diferente.

Quando olhamos para a atual situação volátil do Tibete, podemos muito bem estar assistindo a uma prévia do que ainda está por vir, caso os tibetanos não percebam rapidamente uma mudança considerável, tangível e significativa das políticas e práticas da China, ou que pelo menos seja dada uma expectativa realista para que essa mudança ocorra. A onda terrível e trágica de auto-imolações no leste e nordeste do Tibete - nas áreas tibetanas de Kham e Amdo - são, sem dúvida, o resultado direto das circunstâncias cotidianas de opressão sob as quais os tibetanos estão vivendo. O fracasso do governo chinês em entender a realidade desta situação e agir com responsabilidade é fortemente preocupante para muitos governos.

As perspectivas de aprofundamento da repressão religiosa no Tibete, a continuidade dos ataques injuriosos contra Sua Santidade o Dalai Lama, as restrições sobre a cultura, incluindo o uso da linguagem nas áreas tibetanas, as tensões crescentes entre tibetanos e chineses como resultado das disparidades econômicas, o impacto ainda desconhecido do experimento social radical de assentamento das populações nômades, todos estes processos nos dão a perspectiva de uma intensificação e ampliação dos movimentos de protesto no Tibete.

Sua Santidade o Dalai Lama sempre apelou para que as pessoas evitem o uso da violência e corajosamente estendeu a mão para os líderes da China ao longo dos anos. A violação deliberada pelos líderes chineses de suas propostas e a situação do povo tibetano colocaram em risco a paz e a estabilidade no Tibete. Eu não espero que os tibetanos se tornem violentos, enquanto Sua Santidade estiver presente como o símbolo da nação tibetana e de seu espírito. No entanto, a continuidade do atual nível de repressão no Tibete - ou o agravamento dessa repressão, esperado por alguns observadores - aumentará a resistência tibetana, já que as pessoas sentem que têm pouco a perder.

Em circunstâncias de repressão intensa do governo contra seus próprios cidadãos ou de conflito aberto, a comunidade internacional se une em torno da Responsabilidade de Proteger (ou princípio R2P). Este princípio tem sido invocado em debates da ONU sobre Darfur, Birmânia, Líbia e outros países, e a ONU estabeleceu uma estrutura para sua implementação, incluindo o papel do alerta precoce. O exercício da soberania é privilégio e responsabilidade que deriva da vontade do povo e proíbe os abusos. No caso de atrocidades em massa, a comunidade internacional tem a responsabilidade de intervir para ajudar as pessoas e protegê-las do mal intolerável. Essa intervenção não precisa ser de natureza militar, isto é claramente uma medida de último recurso.

A China, em conjunto com a Rússia, usou seu poder de veto no Conselho de Segurança para bloquear uma resolução das Nações Unidas sobre a Síria que teria tomado o R2P como uma justificativa de intervenção, alegando que o Conselho de Segurança não têm nenhum papel nos assuntos internos de um Estado. Mas a República Popular da China não é imune à vontade do povo que governa ou à condenação pela comunidade internacional por violar as normas internacionais de comportamento. E, inevitavelmente, os tibetanos continuarão a apelar à comunidade internacional, apesar dos grandes obstáculos que podem encontrar nesse esforço. Eles não têm escolha, face à recusa do governo chinês em resolver suas queixas reais e legítimas. Os fatores de risco estão em vigor no Tibete. A menos que os líderes da China mudem seu curso, com uma abordagem mais responsável, acredito que a comunidade internacional deverá estar cada vez mais atenta e preparada para agir de uma forma qualitativamente diferente para ajudar a salvar o Tibete.