quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Porque o Dalai Lama não pode condenar as auto-imolações tibetanas - por Tenzin Dorjee


Nota do editor: Tenzin Dorjee é diretor executivo do Students for a Free Tibet, uma rede global de estudantes e ativistas que trabalham pela independência tibetana. Escritor e ativista, ele é o porta-voz do movimento global da juventude tibetana.
Por Tenzin Dorjee,


Em uma exibição crassa de cegueira moral, Stephen Prothero comentou em seu blog que a culpa das auto-imolações tibetanas devem ser das vítimas e não de seus tiranos.
Tibetanos estão presos em uma das últimas e mais brutais ocupações coloniais. E é por essa lente, mais do que nada, que devemos entender as auto-imolações.
Desde 2009, pelo menos 44 tibetanos – monges, monjas e pessoas leigas – atearam fogo em si mesmos em protesto a lei chinesa; 39 auto-imolações ocorreram neste ano. Cada um desses atos é um resultado direto do sistemático ataque chinês ao modo de vida da população tibetana, sua língua, religião, mobilização e sua identidade.
Em vez de responder a opressão chinesa com vingança – caminho mais tentador do instinto básico humano – os tibetanos escolheram meios mais pacíficos. Sem agredir um único chinês, eles incendeiam seus próprios corpos para chamar atenção para as atrocidades que ocorrem atualmente em sua terra natal. Eles sacrificam suas próprias vidas, não em nome de ‘Deus’ ou ‘Buda’, como Mr. Prothero sugere com desdém, mas sim como uma intenção altruísta de alertar o mundo sobre o sofrimento de seu povo.
Ao exigir que SS  Dalai Lama condene esses indivíduos que demonstraram uma compaixão além da nossa compreensão, Mr. Prothero traiu com uma colossal indiferença à coragem e circunstâncias daqueles que lutam pela mesma liberdade democrática e direitos humanos que ele próprio goza.
Como pode o Dalai Lama condenar as auto-imolações quando a motivação dos manifestantes era evidentemente altruísta e sua tática não-violenta? Nós pediríamos a Gandhi para condenar os ativistas da luta pela liberdade indiana que eram mortos quando estavam deitados na estrada para bloquear os caminhões da policia britânica? Ou os que estavam morrendo de inanição pelo protesto em forma de greve de fome com as injustiças da lei britânica na Índia?
Em todas as medidas, os responsáveis são os lideres chineses e não o Dalai Lama pelas auto-imolações no Tibete. Eles têm o poder de acalmar as tensões, reverter as restrições, e parar as auto-imolações em poucos instantes. Mas ao invés de procurarem uma decisão definitiva para a questão Tibetana, eles continuam agravando a situação com a intensificação da repressão.
Ninguém é mais tormentado pelas auto-imolações do que o Dalai Lama, cujo vínculo com o povo tibetano vai além do que as palavras podem expressar. De fato, é a influência calma singular do Dalai Lama que mantém até hoje a não-violência do movimento.
Como um ícone universal de paz, a influência espiritual do Dalai Lama vai além do mundo budista. Apesar disso, sua autoridade moral não é uma  fonte infinita. Há um laço moral invisível com o qual o Dalai Lama ata os tibetanos às ações não-violentas por quatro décadas. Mas este laço está desgastado, enquanto que a escalada da tirania chinesa mantém tibetanos sem saída.
As auto-imolações, que surgiram como uma tática após terem sido deixados sem saída por um longo tempo, representam a última instância de uma resistência não-violenta. Se este último espaço para expressão, não importando quão drástico seja, lhes é tomado, o laço talvez possa se romper. O caos irá se instalar, aumentando as chances de um conflito étnico que talvez até mesmo o Dalai Lama terá esgotado seu capital moral para interrompê-lo.
De todas as acusações de Mr. Prothero, a mais ofensiva é a sua comparação das auto-imolações com sati – um sistema social na Índia antiga onde viúvas eram forçadas a se atirarem nas piras funerárias de seus falecidos maridos. Auto-imolação – uma ação política de razão – é o completo oposto de sati – um ato cego de superstição.
Não há um único caso de uma auto-imolação tibetana que tenha sido causada por pressão social ou obrigação religiosa. Cada ocorrência, inesperada como é, abala uma nação, uma comunidade, para não mencionar a família. Cada tibetano reza em seu coração para que seja esta, a última ocorrência.
A imagem de uma pessoa coberta por chamas é chocante, perturbadora, para pessoas que vivem num mundo livre. Mesmo com toda nossa obsessão por filmes violentos, vídeo-games, e coberturas ao vivo de guerras, ainda nossos corações se partem quando vemos um ser humano em chamas.
Mais que nos entregarmos a investigações filosóficas da moralidade das auto-imolações, nós devemos ver essas ações como elas são: pedidos urgentes de ajuda de um povo massacrado por décadas de implacável repressão.
Resta a esperança de que a maioria das pessoas estejam focadas na real questão que aqui temos: como nós devemos responder a esse chamado?
As opiniões expressas nesse comentário são unicamente de Tenzin Dorjee.

Tradução livre de Matheus Paiva Machado e revisão de Jeanne Pilli do original: