sexta-feira, 6 de abril de 2012

Auto-imolações tibetanas: a visão da China

 Arijit Sen/Hindustan Times/Getty Images


No espaço de apenas um ano, o Tibete e seus ativistas tornaram-se conhecidos devido às auto-imolações. Até recentemente, o suicídio como protesto, que não deve ser confundido com atentados suicidas destinados a matar os outros, era tão raro no vocabulário político do ativismo tibetano que um manifestante chamado Thupten Ngodup, que ateou fogo a si mesmo, em Nova Delhi em 1998, foi imortalizado com um busto de pedra branca na cidade exílio de Dharamsala. Isso mudou de forma abrupta, com trinta e duas auto-imolações em pouco mais de um ano, em mercados, cidades e vilas remotas, e agora expandindo para Nova Delhi. No início, os manifestantes eram em sua maioria monges e monjas, alguns ainda adolescentes, que encharcaram-se em querosene e, em alguns casos, encheram também seus estômagos para maximizar a conflagração. Suas mortes permaneceram praticamente invisíveis, capturadas por pouco mais de imagens granuladas de celulares, e raramente investigadas porque a polícia impediu o acesso de jornalistas estrangeiros à área.

Mas recentemente o número de manifestantes aumentou, mais notavelmente com Jamphel Yeshi, um refugiado de 27 anos de idade, que disse a amigos ter sido torturado na China antes de fugir para a Índia. Segunda-feira passada, com o presidente chinês Hu Jintao em visita à Índia, ele ateou-se chamas e correu gritando por uma rua cheia de fotógrafos. No final do dia, morreu em um hospital, e as fotografias horríveis de seu protesto foram mostradas em todo o mundo.

Como Gillian AP Wong escreveu recentemente em uma valiosa análise, é uma das mais pesadas ondas de auto-imolações políticas na história, maior do que a onda de protestos durante a Guerra do Vietnã ou que as manifestações pró-democracia na Coreia do Sul, e superada apenas pelas centenas de estudantes na Índia que queimaram-se em oposição a uma proposta de ação afirmativa, em 1990.

Mas a coisa mais impressionante em relação aos protestos tibetanos, Wong observa, não é o grande impacto que eles tiveram, mas sim o pouco impacto que tiveram: "Quando um único vendedor de frutas na Tunísia  ateou fogo a si mesmo em dezembro de 2010, foi creditado por "acender a Primavera Árabe da democracia", enquanto que as auto-imolações tibetanas até o momento falharam em conseguir as mudanças que os manifestantes exigem: um fim à interferência do governo na sua religião e o retorno do exilado Dalai Lama ".

Eu comecei a me perguntar como esses protestos são vistos no local mais importante da perspectiva de uma solução para a questão do Tibete: China. O Dalai Lama sempre acreditou que uma parcela pequena, mas crescente de chineses han interessados ​​no lado espiritual do budismo tibetano, poderia eventualmente exercer pressão para produzir uma política chinesa mais branda nas áreas tibetanas. Quando eu o entrevistei em 2010, ele me disse que é impossível para os adeptos chineses separar a religião da dimensão política. "Se você rezar, então realmente você está envolvido!", disse.

Uma revisão da discussão na rede chinesa sobre as auto-imolações tibetanas produz uma janela não-científica, mas muito interessante sob alguns pontos de vista e sugere que talvez haja um pouco mais de simpatia do que poderíamos supor, mas ainda não o que o Dalai Lama imagina. A maioria da discussão é, não surpreendentemente, favorável à visão oficial chinesa: "Isto tudo é trabalho das forças inimigas", escreveu um comentarista no Weibo. Vozes mais serenas apontaram para o investimento chinês no Tibete e questionaram se os manifestantes teriam razão de reclamar com "todo esse dinheiro, apoio e ação afirmativa dedicada a eles," como colocou um escritor.

Mas salpicado entre as postagens, as chinesas me surpreenderam, algumas porque nos lembram o poder da censura, e outras porque mostram uma centelha de interesse e compreensão. Depois que o premiê Wen Jiabao foi questionado sobre as auto-imolações durante sua conferência de imprensa anual com a imprensa estrangeira, um comentarista de repente trouxe à tona a questão sobre o quanto a maioria dos chineses está informada sobre o Tibete: "Com toda honestidade, eu nem sabia nada sobre as imolações tibetanas até esta conferência de imprensa. É por eles terem a sensação de que sua fé religiosa foi insultada ou o quê? "Outra pessoa escreveu:" Por que é que há tantas imolações tibetanas? Como [maioria étnica] Han, eu realmente não sei como olhar isso de frente. Sinto muito". Outro comentarista reclamou que patriotas online atacam qualquer um que escreva positivamente sobre ativistas tibetanos:"Sou um ser humano em primeiro lugar e um cidadão chinês em segundo. Esses casos de auto-imolação referem-se a seres humanos que sacrificam suas vidas para lutar a última luta. Encaminhar informações para que mais pessoas prestem atenção é simplesmente uma reação de um ser humano". E, finalmente, este comentário de alguém que se auto-intitula Unangry Young Woman (jovem mulher sem raiva):

"Quantas pessoas realmente ouviram o velho monge? Não pode haver verdade em um lugar no qual o direito de falar não é distribuído de forma justa. Eu descobri que muitas pessoas não compreendem o Tibete, por isso eu digo: para o Tibete ouvir o que os tibetanos têm a dizer, descobrir o que é que eles realmente querem. Devido a esta postagem, há uma chance significativa de que minha conta seja bloqueada. Mas pra mim tudo bem."

Este foi um mês crucial para a Internet na China, um teste à sua capacidade de sobreviver como fórum de idéias mais aberto. Muitas dessas mensagens foram apagadas momentos depois de serem postadas. Mas o fato mais revelador é o de que elas de algum modo existiram.


Tradução livre de Jeanne Pilli



http://www.newyorker.com/online/blogs/evanosnos/2012/04/the-view-from-china-tibetan-self-immolations.html#entry-more


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