quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O DIÁLOGO SINO-TIBETANO: SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS

 Pronunciamento de Kelsang Gyaltsen, enviado de Sua Santidade o Dalai Lama à CONFERÊNCIA DO INTERGRUPO TIBETANO SOBRE AUTONOMIA GENUÍNA.
 
29 de Novembro de 2011, Parlamento Europeu, Bruxelas.
 
Primeiramente, deixem-me expressar minha sincera gratidão ao Intergrupo Tibetano (Tibet Intergroup)  do Parlamento Europeu por organizarem esta conferência sobre o Tibete, nesta hora. Esta conferência envia uma forte e inspiradora mensagem de profunda preocupação e solidariedade ao povo Tibetano dentro do Tibete, que atualmente vivem em estado constante de medo e terror.
 
No momento presente, o Tibete tornou-se uma enorme prisão - isolada do resto do mundo, onde as autoridades militares e de segurança chinesas exercitam livre reinado impunemente. Pouco mais que 20 anos atrás, povos aqui na Europa anida experienciavam vive sob regimes totalitários e repressivos. Aqueles dentre vocês que vem de onde chamamos "Europa Oriental" ainda devem carregar memórias vívidas da vida sob o domínio Comunista. Vocês conhecem, por experiência própria, a imensa importância de enviar ao povo oprimido a mensagem de que o mundo lá fora não os esqueceu, que se importa com seu sofrimento e que ficará a seu lado em sua luta por liberdade, justiça e dignidade humana. Vocês também entenderão o quão importantes e cruciais essas manifestações de preocupação, solidariedade e apoio tem sido na sustentação do espírito de esperança daqueles oprimidos. 
 
Esta conferência de hoje, no Parlamento Europeu, está, mais uma vez, enviando ao povo tibetano a mensagem de que o povo Europeu se importa com sua luta por liberdade e justiça. É uma grande fonte de coragem e inspiração para o povo do Tibete. Agradeço muito por esse gesto de profunda preocupação, apoio e solidariedade.
 
Minha tarefa nesta conferência é atualizá-los sobre o estado do diálogo Sino-Tibetano e seus prospectos.
 
Deixem-me começar delineando brevemente o princípio e espírito norteador da liderança Tibetana, nos quais a abordagem Tibetana ao diálogo Sino-Tibetano se baseia.
 
Sua Santidade O Dalai Lama sempre acreditou que a maior parte dos conflitos humanos pode ser resolvida por meio de diálogo genuíno, conduzido com espírito de abertura e reconciliação. Portanto, ele tem consistentemente buscado solucionar a questão do Tibete por meio de não-violência e diálogo. Com esse espírito, em 1988, neste Parlamento em Strasbourg, Sua Santidade o Dalai Lama apresentou uma proposta forma de negociações. A escola do Parlamento Europeu como palco para apresentar suas idéias foi proposital, visando destacar que a união genuína somente pode acontecer voluntariamente quando há respeito mútuo e benefícios satisfatórios para ambas as partes envolvidas. Sua Santidade o Dalai Lama vê a União Européia como um exemplo claro e inspirador disso.
 
Com essa proposta, Sua Santidade o Dalai Lama demonstrou sua disposição de não buscar independência na resolução da questão Tibetana. O espírito-guia da Proposta de Strasbourg é a busca de uma solução mutuamente aceitável, por meio de negociações com espírito de reconciliação e de abrir mão. Este espírito tornou-se conhecido como "Abordagem do Caminho do Meio" de Sua Santidade o Dalai Lama.
 
Sua Santidade o Dalai Lama e a liderança Ibetana tomaram a corajosa decisão de buscar autonomia genuína para o povo tibetano dentro das diretrizes da Constituição da República Popular da China (RPC). A Constituição contém princípios fundamentais sobre autonomia e auto-governo, cujos objetivos são compatíveis com as necessidades e aspirações dos Tibetanos. Baseados nisso, a liderança Tibetanda está confiante da habilidade de garantir os direitos básicos do povo Tibetano, salvaguardando sua cultura, língua, religião e identidade próprias, além do delicado meio-ambiente do planalto Tibetano.
 
Em 2002, quando foi restabelecido contato direto com a liderança chinesa, a liderança tibetana em exílio já havia formulado uma política clara sobre como levaríamos o processo de diálogo. O lado Tibetano tinha um único objetivo: buscar autonomia genuína para o povo tibetano sob uma único órgão, auto-governado, dentro das diretrizes da Constituição da RPC.  
 
Tenho a honra de serviri como um dos enviados de Sua Santidade o Dalai Lama, confiado à tarefa de conduzir os diálogos. Participamos de nove eventos formais de discussão e um encontro informal com os chineses desde 2002.
 
Tendo completa consciência da complexidade e dificuldade dos desafios à frente no processo de diálogo, as instruções da liderança Tibetana para a delegação Tibetana tem sido as seguintes:
 
- criar a necessária atmosfera de condução e condições para a manutenção e aprofundamento do contato;
- usar todas as oportunidades para desfazer mal-entendidos e más-interpretações sobre a posição e pontos de vista da liderança Tibetana em exílio;
- reiterar e explicar o fato de que Sua Santidade o Dalai Lama e a liderança Tibetana em exílio não estão buscando separação e independência para o Tibet;
- afirmar claramente nossa demanda por autonimia genuína para o povo Tibetando, dentro das diretrizes da RPC;
- propor a medidas que visem a construir confiança em áreas de mútuo interesse;
- estabilizar o processo de diálogo, aumentando o número de encontros, com uma assuntos e datas com que ambos os lados concordem. 
 
De acordo com essas orientações, desde a primeira rodada de discussões em 2002, propusemos que ambos os lados iniciassem medidas que ajudassem a construir confiança em nosso relacionamento. De nossa parte, tomamos imediatamente várias medidas que visavam a construir essa confiança. Também pedimos à liderança chinesa para demonstrar boa vontade, interrompendo as denúncias e retirando a banição à posse de fotografias de Sua Santidade o Dalai Lama. Também propusemos expandir nosso contato, permitindo visitas entre Tibetanos que vivem no exílio e no Tibet e organizando intercâmbios entre acadêmicos, instituições culturais e religiosas na RPC, assimcomo institutos na comunidade tibetana refugiada. Quando se tornou óbvio que havia diferenças muito grandes em vários assuntos entre as duas partes, incluindo questões fundamentais, propusemos nos concentrarmos em assuntos em que ambas as partes concordassem em cooperar e aumentar o número de encontros para duas ou três vezes por ano. Além disso, desde o começo de nosso contato, escrecemos para o Presidente Jian Zemin, explicando que a nossa missão era promocer encontros cara a casa de Sua Santidade o Dalai Lama com a liderança Chinesa. Tal encontro tem o potencial de gerar uma mudança verdadeira, abrindo um novo capítulo do relacionamento entre os povos tibetano e chinês. Consequentemente, fizemos essa porposta, de novo e de novo, em todos os encontros.
 
Para nossa profunda decepção, nenhuma de nossas sugestões e propostas foi adotada ou aceita pelo lado chinês. Nem os chineses tomaram iniciativas que visassem a construir confiança ou apresentaram suas sugestões ou propostas para darmos um passo além. Desde o início do diálogo, em 2002, o lado chinês vem adotando uma postura de não-reconhecimento, não-reciprocidade, não-concessão e não-abrir mão. Essa falta de vontade política por parte da liderança chinesa foi claramente demonstrada na oitava rodada de discussões, que aconteceu em novembro de 2008.
 
Em julho de 2008, durante a sétima rodada, o lado chinês explicitamente nos convicou a apresentar nossa visão sobre o grau ou forma de autonomia que estávamos buscando. Conforme combinado, em 31 de outubro de 2008  apresentamos nosso Memorando sobre Autonomia Genuína para o Povo Tibetano às autoridades chinesas. Nosso memorando apresenta em detalhes como necessidades específicas de auto-governo do povo tibetano podem ser correspondidas, por meio da aplicação dos princípios de autonomia, contidas na Constituição da RPC.
 
Infelizmente, o lado chinês rejeitou categoriamente o nosso memorando por inteiro, rotulando-o como uma proposta de "semi-independência" e "independência disfarçada". Eles afirmaram até que "até o título do memorando é inaceitável. Quantas vezes precisaremos dizer que o Dalai Lama não tem direito de falar sobre a situação no Tibete ou em nome no povo Tibetano?"
 
A última rodada de encontros ocorreu em Janeiro de 2010, em Beijing. Desde então, temos repetidamente solicitado encontro às contrapartidas chinesas, o mais rápido possível. Duas semanas atrás, em vista dos trágicos incidentes de auto-imolação e da situação geral de deterioração no Tibet, solicitamos com urgência que nossas contrapartidas em Beijing nos encontrassem o mais rápido possível, para explorarmos formas e meios de diluir e acalmar a situação no Tibete. No entanto, ainda estamos esperando por uma resposta positiva de Beijing.
 
A despeito das recentes mudanças históricas na liderança política do povo Tibetano, nosso novo líder democraticamente eleito, o Kalon Tripa Dr Lobsang Sangay deixou claro que a tarefa central do movimento tibetano continua sendo restaurar as liberdades básicas e dignidade do povo tibetano. Em declaração feita em 12 de outubro de 2011, ele frisou sua posição sobre os diálogos Sino-Tibetanos, dizendo: "... tenho afirmado consistentemente que uma das minhas primeiras prioridades como Kalon Tripa é fazer todo esforço possível para encontrar uma solução pacífica e negociada para a situação do Tibete. Mesmo durante minha campanha eleitoral, tornei claro o meu comprometimento com a Abordagem do Caminho do Meio de Sua Santidade o Dalai Lama e com o procerro de diálogo, reiniciado em 2002. Recentemente, tenho declarado, em várias ocasiões, nossa profunda preocupação com a situação no Tibete. Os incidentes são uma indicação clara do sofrimento genuíno dos Tibetanos e seu senso de profundo ressentimento e desespero em relação às condições atuais no Tibete. É portanto de extrema urgência que todo esforço possível seja feito para lidar com as causas que são raizes do sofrimento e ressentimento Tibetanos. Consequentemente, desejo reiterar meu firme comprometimento em encontrar uma solução mutuamente aceitável, dentro do espírito do Caminho do Meio. Tenho portanto solicitado aos dois enviados de Sua Santidade o Dalai Lama que façam esforços para retomar o diálogo na primeira oportunidade possível."
 
O diálogo Sino-Tibetano desde 2002 demonstra claramente que nós tibetanos ainda não temos um parceiro sincero e disposto para um diálogo honesto. Não podemos ir adiante quando apenas um de nós está totalmente comprometido e engajado. É nesse contexto que esta conferência é tão importante.
 
Nós Tibetanos precisamos de sua ajuda. Primeiro e antes de tudo, na abertura do Tibete para o rsto do mundo, para que as autoridades chinesas e forças de segurança não possam mais mandar livremente no Tibete. A presenã internacional terá uma influência restritiva nas autoridades e nas forças de segurança de nós, portanto, poderemos prover alguma forma de proteção aos Tibetanos cativos dentro do Tibete.
 
Finalmente, nós Tibetanos precisamos e um parceiro, do outro lado da negociação, que esteja disposto a ter um diálogo honesto, com o objetivo de encontrar uma solução justa e mutualmente aceitável. No mundo altamente independente de hoje, não cabe exclusivamente às autoridades chinesas decidir se o povo tibetano poderá desfrutar uma vida em liberdade e dignidade, ou se será forçado a viver sob repressão brutal e continuada. As políticas da União Européia em relação à causa do Tibete e da China tem igual peso no desfecho desta tragédia. A liderança chinesa precisa ser forçada a perceber que a questão do Tibete não pode ser suprimida e silenciada a menos que seja apropriadamente tratada e resolvida. É preciso uma mensagem forte e unificada, partindo dos membros da comunidade internacional sobre a questão do Tibete. A opinião mundial é de grande importância para a liderança chinesa. É nesse contexto que eu gostaria de expressar, mais uma vez, nosso grande apreciação ao fato de que o Parlamento Europeu tem liderando consistentemente a promoção de uma solução pacífica para a questão do Tibete.
 
Muito obrigado.
 
 
 
Tradução livre de Luciana Aguiar. 
Texto original pode ser lido aqui: http://www.tibet-envoy.eu/content/?p=577

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