terça-feira, 18 de outubro de 2011

A China está alimentando o fogo da resistência tibetana

 Em 1951, Phuntsok Wangyal era um jovem tibetano comunista determinado a trazer a tão necessária reforma política e social à sua terra natal. Marchou no contingente avançado do Exército Popular de Libertação, que chegou a Lhasa em 1951 e se tornou a mais poderosa figura tibetana no novo regime comunista. Por esta razão, muitos tibetanos o viam como um traidor.

 No entanto, em 1958, a estrela de Phuntsok Wangyal entrou em declínio. O movimento anti-direitista de Mao passou a restringí-lo e ele foi chamado a Pequim para uma auto-crítica. Seu crime? Falar publicamente sobre a forma como a maioria Han discriminava as minorias na nova China. Em 1960 ele foi preso, junto com a maioria de sua família, e torturado. Libertado em 1978, ele trocou a política pela academia.

No entanto, Phuntsok Wangyal não havia completamente encerrado. Em 2006, e nos meados de seus 80 anos, ele escreveu uma série de cartas a Hu Jintao, secretário-geral do partido comunista chinês, apontando que a China tinha dado errado no Tibete - e reiterando a acusação do chauvinismo han. Ele terminou com um aviso: "Camarada Jintao, um palito de fósforo apenas é suficiente para um incendiário, mas para apagar o fogo seria necessário um grande esforço."

A atual onda de auto-imolações entre os jovens tibetanos fez o aviso de Phuntsok Wangyal parecer terrivelmente presciente. No sábado, o tibetano Norbu Damdul tornou-se o oitavo deste ano a atear fogo a si mesmo. Como a maioria dos outros, ele era até recentemente, um monge do monastério de Kirti em Ngaba, uma cidade no noroeste da província de Sichuan, parte da antiga região tibetana de Amdo.

 Segundo a Campanha Internacional pelo Tibete, Norbu Damdul gritou: "Precisamos de liberdade e independência para o Tibete", antes de atear-se fogo. Sua condição é desconhecida, mas os hospitais em Sichuan são sabidamente relutantes em tratar os manifestantes políticos. Vítimas anteriores enfrentaram espancamentos por parte das forças de segurança locais, mesmo enquanto apagavam as chamas. A multidão que se reunia no local do protesto de Norbu Damdul foi dispersada com armas.

 Esta campanha de tentativas de suicídio ou de suicídios reais é um elemento novo e horrível. O suicídio é moralmente problemático para os budistas tibetanos, mas como explicou um tibetano local, "ter que abrir mão de nossa identidade e cultura é o mesmo que abandonar o propósito de viver para [nós] tibetanos, porque as atuais políticas repressivas e punitivas são, literalmente, como arrancar os corações das pessoas de Ngaba".

Porquê Ngaba? Como em muitas cidades em todo o Tibete, os protestos contra a ocupação chinesa durante o ano olímpico de Pequim, foram reprimidos com determinação implacável. Pelo menos 10 monges do monastério de Kirti em Ngaba foram mortos a tiros pelas autoridades durante os protestos, e a repressão não cedeu. Houveram suicídios entre os monges antes, mas a primeira auto-imolação pública ocorreu no final de fevereiro de 2009. Um monge chamado Tapey pôs-se em fogo, em protesto contra as restrições religiosas. Forças de segurança atiraram nele antes de apagarem as chamas. 

Em 16 de Março, no terceiro aniversário do levante de 2008, ocorreu o segundo protesto. A polícia espancou Phuntsok Jarutsang, 20 anos, à medida que o monge sofria sufocamento, levando a novos distúrbios em Kirti. Centenas de monges foram detidos ou expulsos depois que seu monastério foi efetivamente sitiado. Três homens, um deles tio de Phuntsok Jarutsang, foram condenados por 10 a 13 anos de prisão por ajudá-lo a cometer seu "crime". O futuro do mosteiro Kirti está agora seriamente incerto.

 Então, qual foi o fósforo que acendeu este novo capítulo desesperado da longa resistência do Tibete ao governo chinês? A resposta reside, em parte, em um dramático gráfico publicado na semana passada pela Human Rights Watch comparando gastos com segurança em prefeituras diferentes da província de Sichuan. Kardze e Ngaba, com significativas populações tibetanas, têm cerca de quatro vezes o montante gasto em manter a paz comparado a outras partes da província de Sichuan.

Isso não costumava ser assim. O aumento colossal na segurança do Estado nessas regiões tibetanas começou apenas em 2006, dois anos antes das Olimpíadas. Se a China temia protestos constrangedores por suas minorias, enquanto o mundo observava, então esta opressão preventiva tornou tais protestos quase inevitáveis - e acendeu um incêndio que continua a queimar da forma mais trágica imaginável.

 A auto-imolação do camelô tunisiano Mohammed Bouazizi, em março, foi  um sinal para a revolução. Por outro lado, o fortalecimento do poder da China sobre o  Tibete é irrefutável. Mas as autoridades fariam bem em considerar o conselho de seu antigo aliado Phuntsok Wangyal. Eles deveriam começar a proteger os direitos das minorias, e não considerá-las como uma irritação enfurecedora.

http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/oct/17/china-tibetan-resistance-self-immolation 

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