terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dalai Lama mantem rédeas firmes nas questão de sua sucessão

 
Pequim - Quando o Dalai Lama, líder espiritual do Tibet em exílio, sugeriu em finais de setembro que, pela primeira vez em 600 anos, poderia ser uma emanação e não uma reencarnação, pode ter desagradado o governo chinês que administra o Tibet pela segunda vez este ano.


A China rejeitou rapidamente a proposta que o Décimo Quarto Dalai Lama, Tenzin Gyatso de 76 anos, disse ter 14 anos para que seja debatida pelos tibetanos, com uma decisão final que deverá ser tomada em 2025. No entanto, a rejeição da China cria uma profunda ironia: a orgulhosa tradição do Dalai Lama e do Budismo Tibetano, agora parece mais moderna e flexível do que a autodenominada modernização do Estado Chinês, que insiste no modelo de reencarnação mais antiquado e rígido, segundo os especialistas.

O primeiro movimento de modernização pelo Dalai Lama ocorreu em março.
Neste 60o aniversário do que a China chama de "liberação pacífica" do Tibet - e o que os tibetanos em exílio e alguns no Tibet chamam de invasão - pelo Exército de Liberação Popular, o Dalai Lama anunciou que colocaria um fim aos 369 anos do Gaden Phodrang, o sistema de governo que o havia tornado tanto líder político como espiritual, delegando seus poderes políticos a um primeiro ministro eleito. Eleito pelos tibetanos no exílio em abril,  Logsang Sangay assumiu o cargo em agosto passado. Seu gabinete composto de 6 pessoas, foi empossado no mês passado, e inclui 2 mulheres, outro sinal de mudança.

Tal medida é muito atrativa para os tibetanos, disse Robert Barnett, diretor do Programa de Estudos Tibetanos Modernos da Universidade de Colúmbia, NY.

"Sua estratégia de democratização tem uma enorme ressonância no Tibet, já que os chineses constantemente prometem uma democracia mas até o momento não cumpriram", disse Barnett por telefone.

A relação entre os tibetanos e Pequim é frequentemente tensa, mas isto tem se acentuado ainda mais desde o levante contra a China ocorrido em Lhasa em 2008. No dia 3 de outubro, um quinto monge, Kalsang de 17 anos do Monastério de Kirti, localizado em uma zona tibetana na província de Sichuan, ateou fogo a seu corpo em protesto à opressão da liberdade religiosa no Tibet, segundo o Free Tibet, um grupo de defesa com sede em Londres.

 A segunda estratégia de modernização do Dalai Lama foi tomada em 24 de setembro. Se a primeira se referia a política, a segunda foi de caráter teológico.

Em um comunicado de 4.000 palavras, abordou o delicado tema de sua sucessão.
"Quando tiver ao redor de 90 anos, consultarei os altos lamas das tradições do budismo tibetano, o público tibetano e outras pessoas interessadas que seguem o budismo tibetano, e reavaliarei se a instituição do Dalai Lama deve continuar ou não", escreveu.

Cuidadosamente redigida no idioma da tradição do budismo e da cultura tibetana, a declaração provocou duas coisas, apontou Barnett.

Primeiro, enviou uma mensagem à China: Recuem sobre o tema da sucessão.
"Há uma mensagem clara e inequívoca de que a decisão da linhagem do budismo recai sobre o titular da linhagem", especificou Barnett na entrevista. "Ninguém mais pode decidir. Para ele, este é o fim da discussão".

De fato, a declaração do Dalai Lama foi a tão esperada resposta à Ordem no 5, publicada em 2007 pela Adminstração Estatal de Assuntos Religiosos de Pequim, que controla as reencarnações. Em um movimento profundamente irônico de um Estado materialista, que oficialmente crê que a matéria física é a úncia realidade, a ordem reclama o direito a administrar as reencarnações de todos os lamas no Tibet, que podem ser em torno de 2.000, entre eles, o Dalai Lama, o mais eminente.

"Todas as submissões de reencarnação devem ser apresentadas ao departamento de assuntos religiosos do governo na instância da província, ao governo da província, à Administração e Estatal de Assuntos Religiosos e ao Conselho de Estado, respectivamente para sua aprovação", informou o Diário do Povo, órgão do Partido Comunista, que relatou na época.

Em seu comunicado de 24 de setembro, o Dalai Lama denominou tal ordem como "ultrajante e vergonhosa", e disse que tal insistência da China poderia causar um dano irreparável à cultura tibetana.

"Além disso, eles dizem que estão esperando pela minha morte e que reconhecerão o Décimo Quinto Dalai Lama de sua escolha", escreveu.

Então, em segundo lugar, o Sr. Barnett escreveu em uma nota explicativa para colegas acadêmicos, para elucidar difíceis conceitos teológicos, a declaração do Dalai Lama era "um anúncio muito criteriosamente formulado sobre a necessidade de modificar significativamente o sistema de reencarnação, ou mesmo uma preparação para substituí-lo."

"O conceito de emanação não é uma nova teoria ou na prática, já é bem conhecida no budismo tibetano, já muitos altos lamas são também considerados emanações", Mr Barnett escreveu.

"Esta é uma iniciativa interessante e oportuna, que envolve uma recombinação muito criativa de elementos budistas tibetanos importantes mas negligenciados", escreveu ele. 

Para o Dalai Lama, emanar, ao invés de reencarnar pode ser preferível porque é mais flexível. Um sucessor poderia ser identificado enquanto o Dalai Lama ainda está vivo, já que uma lama pode ter múltiplas emanações que fazem parte de seu fluxo mental durante toda a vida.

A emanação poderia resolver o problema da descontinuidade muitas vezes confusa de uma reencarnação, uma vez que uma criança sucessora só pode ser identificada depois da morte de um lama. 

Na semana passada, a China rejeitou a mudança. 

"O título de Dalai Lama é conferido pelo governo central e qualquer coisa em contrário é ilegal", disse Hong Lei, porta-voz do Ministério do Exterior. 

"Há um conjunto completo de rituais religiosos e de convenções históricas na reencarnação do Dalai Lama e um Dalai Lama identificar seu próprio sucessor nunca foi a prática," Mr. Hong disse. 

Apesar disso, o Sr. Barnett previu na entrevista que a China teria que estar atenta, já que a proposta do Dalai Lama, mudaria a "conversa interna" no Tibet, apesar de que não estava claro se seria totalmente aceita pelos tibetanos. 

"A proposta não se encaixa no plano base a partir do qual as autoridades chinesas parecem ter trabalhado e, por isso, pode ter implicações para as suas políticas", disse ele.

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